Prazo de validade pode ser definido como o tempo de duração do alimento até ser considerado impróprio para o consumo. Mas o que garante esse período de tempo? E como fica para produtos perecíveis acondicionados em embalagens metálicas, os conhecidos enlatados? Eles são muito populares hoje em dia devido à facilidade de consumo. Um dos mais utilizados é o atum enlatado. Nesse caso, será que suas diferentes apresentações modificam o prazo de validade? Quais as alterações que podem ocorrer nesse produto? Como a legislação brasileira se posiciona quanto a isso?
Felipe Alves e Nathalia Hammes
Os alimentos enlatados são muito utilizados na atualidade devido à facilidade de preparo e, também, por muitos deles já estarem prontos para consumo. Esses alimentos em conserva são condicionados em embalagens metálicas com maior investimento tecnológico que garantem as características do produto por mais tempo. No caso do atum, o peixe fresco é perecível, ou seja, suas características se alteram rapidamente com o mínimo de exposição; em contrapartida o acondicionamento na lata é feito através de materiais e processos que garantem a proteção do peixe de fatores externos.
O principal objetivo desse trabalho é analisar o prazo de validade de diferentes marcas e apresentações de atum enlatado (Tabela 1).
O acondicionamento do atum enlatado é feito preferencialmente em óleo comestível (normalmente de soja) ou em salmoura (solução de água e sal), sendo esse último considerado Natural e também chamado de Light, já que pela ausência do óleo comestível, o valor energético é reduzido a mais de 25%.
Esse produto pode sofrer alterações físicas, microbianas e químicas, sendo que as químicas são as que interferem diretamente no prazo de validade. Nesse caso, alterações físicas (latas amassadas ou excessivamente cheias) e microbianas (falhas durante a esterilização, permitindo o crescimento de microorganismos, como Bacillus stearothermophilus e Clostridium botulinum) não necessariamente interferem na validade, pois modificações físicas que ocorrem na embalagem não alteram o prazo de validade se o conteúdo estiver intacto; e as alterações microbianas só ocorrem se a esterilização não for feita corretamente, já que o produto em sua embalagem final não mantém contato direto com o meio externo onde existem microorganismos e outros contaminantes.
As principais alterações químicas que podem acontecer nesse produto são: alterações de cor (caramelização, esverdeamento, enegrecimento e descoloração), odor e sabor desagradáveis (oxidação, rancificação, acidez e sabor amargo) e alterações no tecido (honeycombing), além da presença de cristais de estruvita.
A descoloração pode ocorrer por transformações na mioglobina presente no peixe. A oxidação ocorre na carne ou no óleo comestível: a rancificação oxidativa é um processo reativo entre o oxigênio e lipídeos que promove a formação de radicais livres que se propagam rapidamente, conferindo alterações organolépticas perceptíveis, como odor e sabor desagradáveis, além da mudança de coloração de amarelo para marrom, no caso dos óleos. A acidez pode ser causada por degradação lipídica com a liberação de ácidos graxos livres. O honeycombing ou carne favada é o fenômeno de coagulação de proteínas hidrossolúveis pela ação do aquecimento que ocorre no processo de pré-aquecimento no momento de fabricação do produto. O gás confinado na carne atravessa a fração coagulada, formando tubos finos com a aparência de favos de mel de abelha. Cristais de estruvita são cristais de fosfato de amônio magnesiano semelhantes a fragmentos de vidro que precipitam em meio ácido, ou seja, com a alteração do óleo e formação de ácidos graxos livres, ocorre a diminuição do pH e a formação dos cristais de estruvita, quando há a presença de fosfato, amônia e principalmente magnésio (cloreto de magnésio, que pode, mas não deve, estar contido no sal utilizado na salmoura).
A embalagem metálica é composta principalmente por ferro e alumínio. Segundo estudos (NIEKRASZEWICS, 2010), os metais que compõem essa embalagem não são capazes de migrar para o atum e nem reagir com ele, tornando-a eficaz para seu acondicionamento. Além disso, a superfície externa deve ser resistente a corrosão em condições razoáveis de armazenamento, o conteúdo interno não deve conter bactérias e enzimas ativas e as latas devem ser hermeticamente fechadas para evitar a entrada de ar, água e contaminantes. Mesmo que a carne seja um alimento perecível, seu condicionamento em embalagens metálicas permite que ela seja conservada por mais tempo, o que justifica o prazo de validade de 2 a 4 anos.
De acordo com a pesquisa, foi possível perceber que para a maioria das marcas há uma diferença na validade de atum conservado em óleo e em salmoura. O óleo comestível possui um maior poder de conservação que a salmoura porque em casos de alterações químicas os lipídeos contidos no óleo sofrem essas reações, impedindo que elas ocorram nos lipídeos do peixe.
Dentre as marcas pesquisadas, as que possuem maior destaque no mercado (Coqueiro, Gomes da Costa e Pescador) distinguem o prazo de validade de acordo com o seu meio de conservação: óleo comestível (4 anos) ou água e sal (2 anos). Porém, para marcas com menor expressão no mercado (CPC e Marcol) o prazo de validade entre as apresentações é indiferente. Também foi observado que o prazo de validade não se altera entre as diferentes formas do atum: ralado, em pedaços ou sólido.
Todas as marcas pesquisadas destacam que após aberto o produto deve ser retirado da lata, mantido em recipiente fechado e sob refrigeração e consumido em até 72 horas. Isso se deve ao caráter perecível do produto e ao aumento do risco de contaminação.
No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) não possui nenhuma regulamentação sobre o atum enlatado. Entretanto, existe uma Portaria do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Portaria SDA/MAPA 458/2010) que dita o Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade de Conservas de Atuns e de Bonitos, mas ela não dispõe de nenhuma informação a respeito do prazo de validade desse tipo de produto. Comparando, a legislação canadense preconiza a existência de prazo de validade no rótulo apenas para produtos com validade de até 90 dias. Produtos enlatados, com vida de prateleira maior, não possuem essa necessidade.
Seria interessante que a legislação brasileira dispusesse de maiores dados sobre a validade do atum enlatado, assim as empresas seriam fiscalizadas com maior rigor, determinando uma data mais confiável, para que o consumidor leigo obtenha maior conhecimento acerca dessa informação.
Referências Bibliográficas:
• LAGO, R. C. L.; ANTONIASSI, R. Composição em ácidos graxos do óleo de cobertura de sardinhas em conserva armazenadas em temperatura ambiente Boletim do Centro de Pesquisa de Processamento de Alimentos, Curitiba, v. 18, n. 2, p. 177-192, jul./dez. 2000.
• NIEKRASZEWICZ, L. A. B. Embalagens metálicas e alimentos: O caso do atum enlatado. 2010. 56f. Dissertação (Mestrado em Ciências dos Materiais) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2010.
• de OLIVEIRA, R. B. A. Qualidade de atuns tipo exportação capturados no litoral de Pernambuco e Rio Grande do Norte, Brasil. 2009. 107f. Dissertação (Mestrado em Ciência e Tecnologia de Alimentos) – Universidade Federal Rural de Pernambuco. Recife, 2009.
• de MORAES, I. V. M. Tecnologia do pescado. Serviço Brasileiro de Normas técnicas, 2007.
• Brasil. Ministério da Agricultura, pecuária e abastecimento. Portaria n° 458 de 10 de setembro de 2010. Dispõe sobre o Regulamento Técnico de identidade e qualidade de conservas de atum e de bonito. Brasília.
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