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Figura 1: Creme vegetal Becel pro-activ em sua embalagem original. |
Os fitosteróis ou fitoesteróis ou ainda esteróis vegetais são uma
família de moléculas intimamente relacionadas ao colesterol. Os fitoesteróis podem
ser encontrados em óleos de origem vegetal, cereais, leguminosas e sementes
oleaginosas, como castanhas, nozes, avelãs, entre outras. Diversos estudos
atuais tem associado o consumo desses esteróis com a redução dos níveis de
colesterol LDL (“colesterol ruim”) no organismo. Pensando nisso, foi lançado o
produto Becel pró-activ, que afirma que o seu consumo auxiliaria na redução dos
níveis de colesterol em até 15%. Porém levanta-se a pergunta: seria Becel pró
activ, um produto funcional devido a presença de fitoesteróis?
Descrição do produto
O creme vegetal Becel Pro-Activ contém fitoesteróis,
substâncias vegetais que auxiliam na redução da absorção do colesterol, e
contribui para a redução do LDL-colesterol. A recomendação diária é de 20
gramas do creme vegetal (duas colheres de sopa), o que levaria a ingestão de
1,6g de fitoesteróis, já que o rótulo do produto afirma que o mesmo apresenta
0,8g de fitoesterol por 10g de creme vegetal.
Ingredientes: Água,
óleos vegetais líquidos e interesterificados, fitósteróis, sal, vitaminas ("E", "A",
"B6", "ácido fólico", "D" e "B 12"),
estabilizante mono e diglicerídeos de ácidos graxos e ésteres de poliglicerol
com ácido ricinoleico, conservador sorbato de potássio, acidulante ácido
cítrico, aromatizante (aroma idêntico ao natural de manteiga), antioxidante
EDTA e BHT e corantes urucum e cúrcuma.
A tabela nutricional do produto pode ser encontrada abaixo:
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Figura 2: Tabela nutricional fornecida pelo site do produto Becel pro-activ.
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Fundamentos
bromatológicos
Os fitosteróis encontram-se nas membranas celulares das
plantas, onde exercem a mesma função que o colesterol nos animais. São compostos por 27 a 29 átomos
de carbonos e diferenciam-se do colesterol pelas configuracões no núcleo ou na
cadeia lateral ou, ainda, pelos seus grupamentos polares. As modificações
geralmente estão relacionadas à adição de substituintes alquil tais como metil
e etil ou na inserção de duplas ligações nas posições C-22 e C-24 (YANKAH,2006).
Os fitoesteróis encontrados mais comumente na dieta
humana são campesterol, estigmasterol e sitosterol (BREDA, 2010).
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Figuras 3-5: estruturas químicas dos principais fitoesteróis presentes na dieta humana. |
Para ser absorvido pelo organismo, o colesterol exógeno
(aquele proveniente da dieta) deve ser incorporado pelas micelas que farão o
transporte do mesmo para o fígado. Os fitoesteróis atuam justamente nesse
processo e competem com o colesterol ingerido durante a alimentação pelas
células do intestino, deslocando das micelas. Com isso, cerca de 30% do colesterol
que seria absorvido pelos enterócitos, acaba sendo eliminado nas fezes, o que,
consequentemente, leva à redução dos níveis séricos de colesterol em cerca de
10-15% (ABUMWEIS et al., 2008). O
principal benefício associado a essa queda seria uma redução e prevenção de
doenças cardiovasculares associadas ao colesterol elevado, como por exemplo, a
ateroesclerose, infarto do miocárdio, isquemia e acidente vascular cerebral
(MOGHADASIAN, 2009). A American Dietetic
Association (ADA) preconiza uma ingestão diária de 2,0g para se obter os
benefícios oferecidos pelos fitosteróis e que a dieta de um adulto comum contém
cerca de 500mg dessas substâncias. Para suplantar essa “carência”, surgiu a
ideia de adicionar os fitoesteróis em alimentos comumente consumidos. Devido a
sua baixa solubilidade, os fitoesteróis necessitam sofrer um processo de
esterificação com ácidos de graxos, o que permite a sua incorporação a produtos
gordurosos, como as margarinas (MIETTINEN, 2005). A ANVISA classifica os
alimentos que apresentam na porção do produto pronto um valor mínimo de 0,8g de
fitoesteróis livres, como um alimento funcional (ANVISA, 1998).
Discussão
O
creme vegetal Becel Pró-activ se encontra dentro da legislação, podendo ser
classificado com um alimento funcional, já que se enquadra na definição
estabelecida pela resolução 18/99. Entretanto, há diversas controvérsias se
realmente isso seria real. A começar por informações disponibilizadas no site
do produto. Lá é dito que existem mais de 45 estudos comprovando que a Becel
pró-activ auxilia na redução de 15% do nível do LDL-colesterol. Entretanto, os
estudos, na verdade, são sobre o uso de fitoesteróis como agentes redutores do
colesterol, e não da Becel propriamente dita.
Embora
muitos estudos comprovem que a ingestão de fitoesteróis seja útil no auxílio da
redução dos níveis séricos do LDL-colesterol, muitos outros tem levantado uma
diferente bandeira. Alguns estudos apontam e questionam a utilização de
alimentos gordurosos como meios de incorporação de fitoesteróis na dieta de
pessoas com níveis de colesterol elevado, já que muitas diretrizes de saúde não
aprovam a utilização dos mesmos na prevenção e tratamento de doenças
cardiovasculares associadas a hipercolesterolemia (RUDKOWSKA, 2010). Além
disso, foi demonstrado que os fitoesteróis não só deslocam o colesterol das
micelas, mas também outros componentes lipossolúveis importantes, como os
carotenos (precursores da vitamina A) e tocoferóis (precursores da vitamina E)
(JONG, PLAT e MENSINK, 2009). Estudos randomizados demonstraram que a ingestão
de fitoesteróis levou a uma redução de 35% dos níveis séricos de vitamina A e
8% de vitamina E (BRUFAU, CANELA e RAFECAS, 2008), o que pode levar a quadros
de hipovitaminoses importantes. Além da presença controversa dos fitoesteróis,
a Becel pró-activ apresenta em sua composição, como descrito nos ingredientes,
óleos vegetais interesterificados. Estudos demostraram que a ingestão deste
tipo de gordura leva a queda dos níveis de HDL-colesterol e insulina circulante,
além de um aumento na taxa de glicose
(cerca de 20%), devido ao aumento da resistência à insulina, uma condição
precursora comum do Diabetes Mellitus (SUNDRAM,
KARUPAIAH e HAYES, 2007).
Conclusão
No rótulo do produto consta que a mesma deve ser consumida
junto a uma dieta balanceada. Não seria, talvez, essa dieta balanceada, a
verdadeira responsável pela redução do colesterol? Portanto, embora o produto analisado
esteja respaldado pela legislação vigente em nosso país, a sua “funcionalidade”
pode ser questionada e que consumi-lo não garante uma vida mais saudável.
Referências
ABUMWEIS et al.,
Plant esterols/stanols as cholesterol lowering agents. Food Nutrituion
Reserach, Balsta, v. 52, 2008
ANVISA. Resolução RDC nº 18/99 - Regulamento
Técnico que estabelece as diretrizes básicas para análise e comprovação de
propriedades funcionais e ou de saúde alegadas em rotulagem de alimentos. DOU,
30 abril de 1998.
ANVISA. Resolução RDC n. 359/2003. Regulamento
Técnico de Porções de Alimentos Embalados para Fins de Rotulagem
Nutricional. Diário Oficial da União, Poder Executivo, de 26 de dezembro de
2003.
ANVISA. Resolução RDC n. 54/2012. Regulamento
Técnico sobre Informação Nutricional Complementar. DOU, de 13 de novembro de
2012.
BREDA, C.M. Fitosteróis e os benefícios na prevenção de
doenças. UFRS, 2010.
BRUFAU, G. CANELA, M.A., RAFECAS, M. Phytoesterols:
physiologic and metabolic aspects related to cholesterol-lowering properties.
Nutrition Research, New York, v. 28, n. 4, p. 217-225, FEV/2008.
MIETTEN, T. et al.
Reduction of serum cholesterol with sitostanol-ester margarine in a middly
hypercholesterolemic population. Journal of Nutritional Biochemistry, Québec,
v.17, p. 217-224, 2005
MOGHADASIAN, M.H. Effects of dietary phystosterols on
cholesterol metabolism and atherosclerosis. The American Journal of Medicine,
v. 107, p. 588-594. DEZ/2009
RUDKOWSKA, I. Plant sterols and stanols for healthy ageing.
Maturitas. Amsterdam, v.66, n. 2, p. 158-162, JUN/2010.