Apresentação

Espaço para a apresentação e análise de estudos e pesquisas de alunos da UFRJ, resultantes da adoção do Método de Educação Tutorial, com o objetivo de difundir informações e orientações sobre Química, Toxicologia e Tecnologia de Alimentos.

O Blog também é parte das atividades do LabConsS - Laboratório de Vida Urbana, Consumo & Saúde, criado e operado pelo Grupo PET-SESu/Farmácia & Saúde Pública da UFRJ.Nesse contexto, quando se fala em Química e Tecnologia de Alimentos, se privilegia um olhar "Farmacêutico", um olhar "Sanitário", um olhar socialmente orientado e oriundo do universo do "Consumerismo e Saúde", em vez de apenas um reducionista Olhar Tecnológico.

domingo, 1 de novembro de 2020

Ghee é mais saudável do que a manteiga convencional?

 

A ghee tem sido apontada como uma substituta mais saudável da manteiga convencional. Mas será mesmo que ela é mais saudável e possui benefícios?

DESCRIÇÃO 

Um produto bastante utilizado na culinária é a manteiga e, nos últimos anos, muito se tem falado sobre a ghee ser uma alternativa mais saudável e vantajosa para o bem-estar comparada a manteiga tradicional consumida por tantas pessoas e facilmente encontrada nas prateleiras do mercado.

A ghee é uma forma de manteiga clarificada e assim como a manteiga comum, normalmente, é feita de leite de vaca. Por apresentar ponto de fumaça alto, é ideal para fritar, grelhar e refogar alimentos. Sua preparação, geralmente, é feita através do aquecimento da manteiga em banho-maria sendo removido os resíduos sólidos e a água. Sobrando-se, então, a gordura líquida que possui um sabor forte e tom mais escuro. Devido a retirada dos resíduos lácteos do conteúdo, muito se fala sobre ser um alimento vantajoso para os intolerantes à lactose. E ainda, pelos diversos benefícios atribuídos a ela como atividade anti-inflamatória, melhora da digestão, melhora da imunidade, aumento da longevidade e melhora da memória, a ghee tem ganhado bastante adeptos que buscam melhorar a qualidade de vida e bem-estar. 

Apesar da fama ser atual, a ghee já é bastante utilizada há milhares de anos na cultura indiana, sendo apelidada de “ouro líquido” e considerada sagrada em rituais religiosos, além da dieta. Na medicina Ayurveda é utilizada como agente terapêutico por representar um veículo excelente para transportar ervas para os tecidos do corpo.

FUNDAMENTOS BROMATOLÓGICOS 

Figura 1: Tabela de informação nutricional da ghee da marca Sertanorte

 Figura 2: Tabela de informação nutricional da manteiga sem sal da marca Santa Clara

Comparando as duas tabelas nutricionais, observa-se que em uma porção de 10g (1 colher de sopa), a ghee apresenta um valor de 10g para gorduras totais, enquanto a manteiga sem sal convencional apresenta um valor de 8,2g. Em relação as gorduras saturadas, a ghee possui 6,3g e a manteiga convencional possui 5,9g. Analisando o valor energético dos alimentos, nota-se que a ghee apresenta o valor de 90Kcal e a manteiga tradicional 74Kcal. E por fim, ambas apresentam 0g para carboidratos, proteínas, gordura trans e fibra alimentar, além de 0mg para sódio. 

LEGISLAÇÃO 

De acordo com a Portaria Nº 146 de 07 de março de 1996 do MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), manteiga é o produto gorduroso obtido exclusivamente pela bateção e malaxagem, com ou sem modificação biológica do creme pasteurizado derivado exclusivamente do leite de vaca, por processos tecnologicamente adequados. Sendo a matéria gorda, composta exclusivamente de gordura láctea. Nesse produto, a adição do ingrediente cloreto de sódio é opcional e caso seja utilizado, o limite máximo é de 2g de cloreto de sódio para 100g de manteiga, sendo denominado no rótulo do produto como “manteiga salgada” ou “manteiga com sal”. Em termos de parâmetros mínimos de qualidade, a manteiga salgada deve apresentar porcentagem mínima de matéria gorda de 80%. Porém, caso não seja utilizado o cloreto de sódio, o nome poderá vir como “manteiga sem sal” e a porcentagem de matéria gorda não poderá ser inferior a 82%.

Mas o que é a ghee? Segundo o CXS 280-1973 do Codex Alimentarius, programa conjunto da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) e da OMS (Organização Mundial da Saúde), entende-se por ghee o produto obtido exclusivamente a partir de leite, nata ou manteiga por meio de processos que resultam em remoção quase total de água e sólidos não gordurosos, com sabor e estrutura física especialmente desenvolvidos. Determina-se que na composição desse produto, a porcentagem mínima de gordura de leite seja de 99,6% (%m/m). O Codex Alimentarius é utilizado como referência para definição, composição e quesitos relacionados a qualidade do produto.

DISCUSSÃO 

Diante da comparação das informações nutricionais da ghee e da manteiga convencional, percebe-se que os valores apresentados para gorduras totais, gorduras saturadas e valor energético são maiores na ghee. Verificando-se, então, que a ghee é mais concentrada em gordura podendo ser justificado pelo processo de clarificação, onde há perda de água e resíduos do leite. Porém, a diferença entre os valores não é tão significativa, notando-se que os perfis nutricionais e o conteúdo de gordura dos produtos são semelhantes. Portanto, em relação ao perfil nutricional, a ghee não é mais vantajosa do que a manteiga tradicional. É necessário que o consumo dos dois produtos seja feito com moderação seguindo as diretrizes da American Heart Association (AHA) que recomenda que um indivíduo não consuma gordura saturada mais do que 5 – 6% do total de calorias diárias pois o excesso pode levar a doenças cardiovasculares, visto que uma alta porcentagem de ácidos graxos saturados pode levar ao aumento da síntese do colesterol ruim. Em uma pesquisa de 2010, foi revelado que a ghee contém quase 50% de gordura saturada o que levou a uma preocupação na possibilidade de aumentar o risco de doença arterial coronariana (DAC) na Índia.

Em relação a ghee ser ideal para intolerantes à lactose, deve-se ter atenção. Como dito anteriormente, para obtenção da ghee, a manteiga (ou leite ou nata) passa por um processo de clarificação, esse processo remove sólidos lácteos, porém essa remoção não é total, apenas reduz a quantidade desses sólidos. Com isso, em caso de intolerância severa à lactose, o indivíduo deve evitar consumir o produto. Para aqueles que não possuem intolerância severa, deve-se dar preferência para o modelo industrializado, pois a ghee preparada de forma caseira é mais suscetível a erros. Vale ressaltar que para os alérgicos às proteínas do leite, o consumo do produto não é seguro e não é indicado, visto  que as proteínas ainda podem estar presentes no alimento.

Sobre os benefícios atribuídos a ghee, alguns estudos relacionaram sua atividade anti-inflamatória a presença de ácido butírico que se trata de um ácido graxo saturado de cadeia curta. Foi visto que esse composto auxilia na saúde e na cicatrização das células do trato gastrointestinal, sendo muito benéfico para os indivíduos que sofrem da síndrome do intestino irritável. A questão é que o ácido butírico não é exclusivo da ghee, sendo rico em vários outros alimentos, bem como na manteiga tradicional. Além disso, o ácido butírico é produzido no nosso próprio organismo pela fermentação bacteriana, por exemplo, de alguns carboidratos não digeríveis. Um estudo de 2018 feito no norte da Índia com 200 pessoas sugeriu que a gordura e o colesterol no sangue eram mais saudáveis nos indivíduos que consumiam ghee e menos óleo de mostarda como fonte de gordura. No entanto, não houve comparação com a manteiga tradicional. No momento atual, não existem muitos estudos aprofundados e científicos que sustentem os reais benefícios atribuídos a ghee, além de vantagens significativas de seu consumo em detrimento da manteiga convencional.

CONCLUSÃO 

A ghee possui o perfil nutricional e o conteúdo de gordura similar a manteiga comum, não apresentando vantagens sobre ela. Com isso, o consumidor pode escolher o produto que mais lhe agrada e incluir na alimentação, desde que o consumo seja feito com moderação, visto que o excesso pode causar doenças cardiovasculares. Apesar da diferença não ser substancial, diante dos valores observados na tabela nutricional, para uma pessoa que queira reduzir a quantidade de gordura na alimentação, a manteiga comum pode ser uma opção melhor. Em relação aos indivíduos com intolerância severa à lactose e com alergia às proteínas do leite, o produto não é indicado, visto que a remoção dos sólidos lácteos não é total. Por fim, sobre os benefícios atribuídos a ghee, não há muitos estudos aprofundados e científicos que comprovem as vantagens terapêuticas do produto. 

BIBLIOGRAFIA 

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3215354/#ref41

https://www.microbiologyresearch.org/content/journal/jmm/10.1099/jmm.0.017541

http://www.coopsantaclara.com.br/produto/337-manteiga-de-primeira-qualidade-sem-sal

https://academicjournals.org/journal/AJFS/article-full-text-pdf/2B0B62663349

https://www.ijpp.com/IJPP%20archives/2002_46_3/355-360.pdf

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4027835/

https://www.degruyter.com/view/journals/jcim/15/3/article-20170101.xml

https://www.heart.org/en/healthy-living/healthy-eating/eat-smart/fats/saturated-fats

BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Portaria 146, de 07 de março de 1996. Aprova os Regulamentos Técnicos de Identidade e Qualidade dos Produtos Lácteos. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, p. 3977, Seção 1, 11 de março de 1996.

http://www.fao.org/fao-who-codexalimentarius/sh-proxy/en/?lnk=1&url=https%253A%252F%252Fworkspace.fao.org%252Fsites%252Fcodex%252FStandards%252FCXS%2B280-1973%252FCXS_280e.pdf

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