A microalga Spirulina é utilizada em forma de cápsulas como fonte de ferro na dieta. Os fabricantes indicam seu uso na forma de 2 cápsulas de 500mg ao dia. Nesse sentido, questionamos se a quantidade de ferro fornecida pela microalga nessas condições é realmente relevante.
Descrição do produto
A spirulina (Spirulina platensis) é uma cianobactéria consumida por seres
humanos e animais disponível comercialmente na forma de pó, comprimidos e
cápsulas. Ela é utilizada em diversas dietas vegetarianas devido ao seu teor de
proteínas e ferro, uma vez que, em geral, esse tipo de dieta carece desses
nutrientes (1). Nesse sentido, diversos veículos da mídia e
influenciadores digitais propagam o uso da spirulina na alimentação, indicando
a mesma como importante fonte de ferro, proteínas e outros nutrientes. Há a
veiculação da informação de se tratar da maior fonte de ferro do planeta (2-3).
Foram escolhidas duas marcas
disponíveis comercialmente para a realização do presente estudo, a saber: Unic
Pharma e Oficialfarma (4-5). Indagamos se o consumo de 2 cápsulas de
spirulina (500 mg) ao dia (indicado pelos fabricantes em seus sites), é capaz
de atender às necessidades diárias de ferro de um adulto.
Fundamentos Bromatológicos
Ambos
fabricantes informam que a microalga é fonte importante de ferro, além de
outros nutrientes. Nesse sentido, espera-se que o consumo da microalga seja
capaz de aumentar os níveis séricos de ferro. Ambos informam a quantidade de
ferro presente em uma colher de sopa (7g): 11% das necessidades diárias do
mineral. Destaca-se que a microalga não possui parede de celulose, facilitando
sua digestibilidade (6).
Os
fabricantes destacam, para uma porção de 7g de spirulina, a seguinte
composição: 4 g de proteínas, 1,7 g de carboidratos, 0,3 g de fibra e 1 g de
gordura. De acordo com eles, essa porção atende 21% das recomendações diárias
de cobre, 11% das de ferro, 7% das de manganês e 3% das de potássio, magnésio e
sódio, além de 15% das de riboflavina, 11% das de tiamina, 4% das de niacina e
2% das de ácido pantotênico, ácido fólico, vitaminas K e E. Destaca-se que a
spirulina não é fonte de vitamina B12.
Para
avaliação da Ingestão Diária Recomendada (IDR) de ferro, será considerada a RDC
N° 269, de 22 de setembro de 2005, que indica o consumo diário de 14 mg de
ferro para adultos (7).
Legislação
A microalga spirulina era
reconhecida pelo FDA como aditivo alimentar Geralmente Reconhecido como Seguro
(do inglês Generally Recognized As Safe
- GRAS)(8). Entretanto, em consulta realizada à base de GRAS, em
2020, observou-se que a spirulina não se encontra mais na lista(9).
Nesse sentido, questiona-se: será que ela é mesmo segura?
No Brasil, cápsulas contendo a
microalga são registradas como Novos Alimentos e Novos Ingredientes, estando
sujeitas à Resolução N° 16, de 30 de abril de 1999. De acordo com a resolução,
esses produtos são assim registrados pelo fato de seu consumo ser novo no país
ou pelo uso atual ser superior ao previamente relatado. Eles requerem
estudos que comprovem sua segurança frente à Agência Nacional de Vigilância
para serem comercializados(10). Caso não tenham alegação de
propriedade funcional ou de saúde comprovada, seus rótulos devem conter a
seguinte informação: “O Ministério da
Saúde adverte: Não existem evidências científicas comprovadas de que este
alimento previna, trate ou cure doenças.”. Tal dizer não foi observado em nenhum
dos rótulos analisados, entretanto, destaca-se que o rótulo disponível no site
dos fabricantes pode ser meramente ilustrativo.
Discussão
Em primeiro lugar, analisaremos a
adequação da quantidade de ferro presente nas cápsulas às necessidades diárias
de um adulto. Através do exposto pelos fabricantes, 7g de spirulina atendem a
11% das necessidades diárias de ferro, representando 1,54 mg. Logo, uma cápsula
possui apenas 0,11 mg (apenas 0,79% da IDR). Assim, duas cápsulas fornecem
1,58% das necessidades diárias de um adulto. Nesse sentido, será mesmo que as
cápsulas são uma fonte interessante de ferro? Tudo indica que não, ainda mais
considerando que apenas metade do ferro deve ser absorvido! É importante
destacar que, embora facilmente digerível, um estudo com ratos demonstrou que a
disponibilidade de ferro em Spirulina platensis, ou seja, a quantidade que é
absorvida e pode ser utilizada pelo organismo, deve ser considerada. De cada
10g de spirulina, contendo 3-4 mg de ferro, apenas 1-2 mg do mineral é absorvido
(6).
Entretanto, ao informar a quantidade
de ferro em uma porção muito maior (colher de sopa), o consumidor leigo
poderia se confundir e comprar o produto para suprir suas necessidades de ferro.
Todavia, a presente análise indicou que as duas cápsulas diárias fornecem
quantidades irrisórias do mineral, devendo ser buscadas outras fontes na
alimentação.
A respeito dos aspectos legislativos,
no presente estudo, em nenhuma das marcas analisadas foi observada alegação de
propriedade funcional ou de saúde nos rótulos das cápsulas. Entretanto, os
sites que vendem os produtos estão cheios de tais alegações e não informam
sobre a ausência de evidências científicas comprovadas a respeito do que
propõem. Inclusive, em 2018, através da Resolução Específica nº: 03380/2018,
uma das marcas estudadas teve todos seus produtos proibidos de comercialização
por “comprovação da divulgação e comercialização irregular de diversos
medicamentos sem registro, notificação ou cadastro na Anvisa através de seu
sítio eletrônico”. Nesse sentido, destaca-se a importância do cuidado ao
comprar produtos na internet. A ausência de registro é indicativo de que o
produto não comprovou sua segurança frente à Vigilância Sanitária Nacional,
podendo representar um perigo à população.
A respeito dos aspectos
legislativos, destaca-se que uma outra categoria de alimentos corrente no
Brasil são os com alegação de propriedades funcionais e ou de saúde em sua
rotulagem. Nesse caso, os produtos que se enquadrarem deverão apresentar, além
de estudos que comprovem sua segurança, evidências de sua propriedade
funcional ou de saúde(11). Assim, desconsiderando possíveis
irregularidades na comercialização, não seria interessante que os produtos
fossem registrados na categoria que engloba alimentos com alegações funcionais
ou de saúde? Desta forma, os consumidores teriam certeza de que os produtos
cumprem com o prometido.
Conclusão
O
presente estudo demonstrou que a quantidade de ferro fornecida pelo produto é
muito pequena, frente às necessidades diárias. Os fabricantes indicam a
quantidade de ferro em uma porção muito maior, podendo induzir o consumidor a
erro. Além disso, os fabricantes falharam em veicular a informação de que não
existem evidências científicas comprovadas de que o alimento previna, trate ou
cure doenças. Assim, recomenda-se ao consumidor muita atenção ao consumir
produtos adquiridos da internet. Além disso, considerando a quantidade de ferro
presente nas cápsulas, o consumidor deve estar ciente de que o alimento não é
fonte adequada para suprir as necessidades de um adulto.
Referências Bibliográficas
- TANG, Guangwen; SUTER, Paolo M. Vitamin A, Nutrition, and Health Values of Algae: Spirulina, Chlorella, and Dunaliella. Journal of Pharmacy and Nutrition Sciences, Boston, v.1, n.2, p.111-118, 2011. DERMO MANIPULAÇÕES. Spirulina 500mg - Elimina o Culote. Disponível em: https://www.dermomanipulacoes.com.br/spirulina-500mg---elimina-o-culote/p. Acesso em: 10 set. 2020.
- CAMANO,
Murilo. Spirulina e anemia: os benefícios dessa alga para anêmicos.
Revisado pela nutricionista Fernanda Bortolon. Disponível em:
https://my.oceandrop.com.br/spirulina-e-anemia/. Acesso em: 10 set. 2020.
- DINO. Os benefícios da
Spirulina para quem sofre de anemia. 2018. Disponível em:
https://www.terra.com.br/noticias/dino/os-beneficios-da-spirulina-para-quem-sofre-de-anemia,d1e2f2ad520167c94cfe549619a4565d439nuu3l.html.
Acesso em: 10 set. 2020.
- UNIC
PHARMA. SPIRULINA 500MG. Disponível em:
https://www.unicpharma.com.br/spirulina-500mg-60-caps/p. Acesso em: 10
set. 2020.
- OFICIAL FARMA. Spirulina 500Mg
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https://www.oficialfarma.com.br/spirulina-500mg-60-capsulas/p. Acesso em:
10 set. 2020.
- JOHNSON, Phyllis E.; SHUBERT, L. Elliot. Availability
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[S.L.], v. 6, n. 1, p. 85-94, jan. 1986.
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Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Resolução da Diretoria
Colegiada - RDC N° 269, de 22 de setembro de 2005. Aprova o
"REGULAMENTO TÉCNICO SOBRE A INGESTÃO DIÁRIA RECOMENDADA (IDR) DE
PROTEÍNA, VITAMINAS E MINERAIS". Diário Oficial da União. 2005.
- BASHIR, Shahid;
SHARIF, Mian Kamran; JAVED, Muhammad Sameem; AMJAD, Adnan; KHAN, Ammar
Ahmad; SHAH, Faiz-Ul-Hassan; KHALIL, Anees Ahmad. Safety assessment of
Spirulina platensis through sprague dawley rats modeling. Food Science And
Technology, [S.L.], v. 40, n. 2, p. 376-381, jun. 2020.
- SELECT COMMITTEE ON
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https://www.cfsanappsexternal.fda.gov/scripts/fdcc/?set=SCOGS. Acesso em:
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. Acesso em: 20 set. 2020.
- ANVISA. Resolução Nº 19, de 30 de abril de 1999. Ministério da Saúde - MS. Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa. Disponível em: <http://portal.anvisa.gov.br/documents/33916/388845/RESOLUCAO_19_1999.pdf/99351bc5-99b1-49a8-a1fd-540b4096db22> . Acesso em: 20 set. 2020.
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