Apresentação

Espaço para a apresentação e análise de estudos e pesquisas de alunos da UFRJ, resultantes da adoção do Método de Educação Tutorial, com o objetivo de difundir informações e orientações sobre Química, Toxicologia e Tecnologia de Alimentos.

O Blog também é parte das atividades do LabConsS - Laboratório de Vida Urbana, Consumo & Saúde, criado e operado pelo Grupo PET-SESu/Farmácia & Saúde Pública da UFRJ.Nesse contexto, quando se fala em Química e Tecnologia de Alimentos, se privilegia um olhar "Farmacêutico", um olhar "Sanitário", um olhar socialmente orientado e oriundo do universo do "Consumerismo e Saúde", em vez de apenas um reducionista Olhar Tecnológico.

terça-feira, 27 de outubro de 2020

Utilização de Spirulina como fonte de ferro: cápsulas comerciais atendem às necessidades diárias de um adulto?


A microalga Spirulina é utilizada em forma de cápsulas como fonte de ferro na dieta. Os fabricantes indicam seu uso na forma de 2 cápsulas de 500mg ao dia. Nesse sentido, questionamos se a quantidade de ferro fornecida pela microalga nessas condições é realmente relevante.

Descrição do produto

A spirulina (Spirulina platensis) é uma cianobactéria consumida por seres humanos e animais disponível comercialmente na forma de pó, comprimidos e cápsulas. Ela é utilizada em diversas dietas vegetarianas devido ao seu teor de proteínas e ferro, uma vez que, em geral, esse tipo de dieta carece desses nutrientes (1). Nesse sentido, diversos veículos da mídia e influenciadores digitais propagam o uso da spirulina na alimentação, indicando a mesma como importante fonte de ferro, proteínas e outros nutrientes. Há a veiculação da informação de se tratar da maior fonte de ferro do planeta (2-3).

Foram escolhidas duas marcas disponíveis comercialmente para a realização do presente estudo, a saber: Unic Pharma e Oficialfarma (4-5). Indagamos se o consumo de 2 cápsulas de spirulina (500 mg) ao dia (indicado pelos fabricantes em seus sites), é capaz de atender às necessidades diárias de ferro de um adulto.

Fundamentos Bromatológicos

Ambos fabricantes informam que a microalga é fonte importante de ferro, além de outros nutrientes. Nesse sentido, espera-se que o consumo da microalga seja capaz de aumentar os níveis séricos de ferro. Ambos informam a quantidade de ferro presente em uma colher de sopa (7g): 11% das necessidades diárias do mineral. Destaca-se que a microalga não possui parede de celulose, facilitando sua digestibilidade (6).

Os fabricantes destacam, para uma porção de 7g de spirulina, a seguinte composição: 4 g de proteínas, 1,7 g de carboidratos, 0,3 g de fibra e 1 g de gordura. De acordo com eles, essa porção atende 21% das recomendações diárias de cobre, 11% das de ferro, 7% das de manganês e 3% das de potássio, magnésio e sódio, além de 15% das de riboflavina, 11% das de tiamina, 4% das de niacina e 2% das de ácido pantotênico, ácido fólico, vitaminas K e E. Destaca-se que a spirulina não é fonte de vitamina B12.

Para avaliação da Ingestão Diária Recomendada (IDR) de ferro, será considerada a RDC N° 269, de 22 de setembro de 2005, que indica o consumo diário de 14 mg de ferro para adultos (7).

Legislação

A microalga spirulina era reconhecida pelo FDA como aditivo alimentar Geralmente Reconhecido como Seguro (do inglês Generally Recognized As Safe - GRAS)(8). Entretanto, em consulta realizada à base de GRAS, em 2020, observou-se que a spirulina não se encontra mais na lista(9). Nesse sentido, questiona-se: será que ela é mesmo segura?

No Brasil, cápsulas contendo a microalga são registradas como Novos Alimentos e Novos Ingredientes, estando sujeitas à Resolução N° 16, de 30 de abril de 1999. De acordo com a resolução, esses produtos são assim registrados pelo fato de seu consumo ser novo no país ou pelo uso atual ser superior ao previamente relatado. Eles requerem estudos que comprovem sua segurança frente à Agência Nacional de Vigilância para serem comercializados(10). Caso não tenham alegação de propriedade funcional ou de saúde comprovada, seus rótulos devem conter a seguinte informação: “O Ministério da Saúde adverte: Não existem evidências científicas comprovadas de que este alimento previna, trate ou cure doenças.”. Tal dizer não foi observado em nenhum dos rótulos analisados, entretanto, destaca-se que o rótulo disponível no site dos fabricantes pode ser meramente ilustrativo.

Discussão

Em primeiro lugar, analisaremos a adequação da quantidade de ferro presente nas cápsulas às necessidades diárias de um adulto. Através do exposto pelos fabricantes, 7g de spirulina atendem a 11% das necessidades diárias de ferro, representando 1,54 mg. Logo, uma cápsula possui apenas 0,11 mg (apenas 0,79% da IDR). Assim, duas cápsulas fornecem 1,58% das necessidades diárias de um adulto. Nesse sentido, será mesmo que as cápsulas são uma fonte interessante de ferro? Tudo indica que não, ainda mais considerando que apenas metade do ferro deve ser absorvido! É importante destacar que, embora facilmente digerível, um estudo com ratos demonstrou que a disponibilidade de ferro em Spirulina platensis, ou seja, a quantidade que é absorvida e pode ser utilizada pelo organismo, deve ser considerada. De cada 10g de spirulina, contendo 3-4 mg de ferro, apenas 1-2 mg do mineral é absorvido (6).

Entretanto, ao informar a quantidade de ferro em uma porção muito maior (colher de sopa), o consumidor leigo poderia se confundir e comprar o produto para suprir suas necessidades de ferro. Todavia, a presente análise indicou que as duas cápsulas diárias fornecem quantidades irrisórias do mineral, devendo ser buscadas outras fontes na alimentação.

A respeito dos aspectos legislativos, no presente estudo, em nenhuma das marcas analisadas foi observada alegação de propriedade funcional ou de saúde nos rótulos das cápsulas. Entretanto, os sites que vendem os produtos estão cheios de tais alegações e não informam sobre a ausência de evidências científicas comprovadas a respeito do que propõem. Inclusive, em 2018, através da Resolução Específica nº: 03380/2018, uma das marcas estudadas teve todos seus produtos proibidos de comercialização por “comprovação da divulgação e comercialização irregular de diversos medicamentos sem registro, notificação ou cadastro na Anvisa através de seu sítio eletrônico”. Nesse sentido, destaca-se a importância do cuidado ao comprar produtos na internet. A ausência de registro é indicativo de que o produto não comprovou sua segurança frente à Vigilância Sanitária Nacional, podendo representar um perigo à população.

A respeito dos aspectos legislativos, destaca-se que uma outra categoria de alimentos corrente no Brasil são os com alegação de propriedades funcionais e ou de saúde em sua rotulagem. Nesse caso, os produtos que se enquadrarem deverão apresentar, além de estudos que comprovem sua segurança, evidências de sua propriedade funcional ou de saúde(11). Assim, desconsiderando possíveis irregularidades na comercialização, não seria interessante que os produtos fossem registrados na categoria que engloba alimentos com alegações funcionais ou de saúde? Desta forma, os consumidores teriam certeza de que os produtos cumprem com o prometido.

Conclusão

O presente estudo demonstrou que a quantidade de ferro fornecida pelo produto é muito pequena, frente às necessidades diárias. Os fabricantes indicam a quantidade de ferro em uma porção muito maior, podendo induzir o consumidor a erro. Além disso, os fabricantes falharam em veicular a informação de que não existem evidências científicas comprovadas de que o alimento previna, trate ou cure doenças. Assim, recomenda-se ao consumidor muita atenção ao consumir produtos adquiridos da internet. Além disso, considerando a quantidade de ferro presente nas cápsulas, o consumidor deve estar ciente de que o alimento não é fonte adequada para suprir as necessidades de um adulto.

 Referências Bibliográficas


  1. TANG, Guangwen; SUTER, Paolo M. Vitamin A, Nutrition, and Health Values of Algae: Spirulina, Chlorella, and Dunaliella. Journal of Pharmacy and Nutrition Sciences, Boston, v.1, n.2, p.111-118, 2011. DERMO MANIPULAÇÕES. Spirulina 500mg - Elimina o Culote. Disponível em: https://www.dermomanipulacoes.com.br/spirulina-500mg---elimina-o-culote/p. Acesso em: 10 set. 2020.
  2. CAMANO, Murilo. Spirulina e anemia: os benefícios dessa alga para anêmicos. Revisado pela nutricionista Fernanda Bortolon. Disponível em: https://my.oceandrop.com.br/spirulina-e-anemia/. Acesso em: 10 set. 2020.
  3. DINO. Os benefícios da Spirulina para quem sofre de anemia. 2018. Disponível em: https://www.terra.com.br/noticias/dino/os-beneficios-da-spirulina-para-quem-sofre-de-anemia,d1e2f2ad520167c94cfe549619a4565d439nuu3l.html. Acesso em: 10 set. 2020.
  4. UNIC PHARMA. SPIRULINA 500MG. Disponível em: https://www.unicpharma.com.br/spirulina-500mg-60-caps/p. Acesso em: 10 set. 2020.
  5. OFICIAL FARMA. Spirulina 500Mg 60 Cápsulas. Disponível em: https://www.oficialfarma.com.br/spirulina-500mg-60-capsulas/p. Acesso em: 10 set. 2020.
  6. JOHNSON, Phyllis E.; SHUBERT, L. Elliot. Availability of iron to rats from spirulina, a blue-green alga. Nutrition Research, [S.L.], v. 6, n. 1, p. 85-94, jan. 1986.
  7. Ministério da Saúde (MS). Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Resolução da Diretoria Colegiada - RDC N° 269, de 22 de setembro de 2005. Aprova o "REGULAMENTO TÉCNICO SOBRE A INGESTÃO DIÁRIA RECOMENDADA (IDR) DE PROTEÍNA, VITAMINAS E MINERAIS". Diário Oficial da União. 2005.
  8. BASHIR, Shahid; SHARIF, Mian Kamran; JAVED, Muhammad Sameem; AMJAD, Adnan; KHAN, Ammar Ahmad; SHAH, Faiz-Ul-Hassan; KHALIL, Anees Ahmad. Safety assessment of Spirulina platensis through sprague dawley rats modeling. Food Science And Technology, [S.L.], v. 40, n. 2, p. 376-381, jun. 2020.
  9. SELECT COMMITTEE ON GRAS SUBSTANCES. Food And Drug Administration. Generally Recognized As Safe (GRAS) food substances database. Disponível em: https://www.cfsanappsexternal.fda.gov/scripts/fdcc/?set=SCOGS. Acesso em: 21 set. 2020.
  10. ANVISA. Resolução Nº 16, de 30 de abril de 1999. Ministério da Saúde - MS. Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa. Disponível em: <http://portal.anvisa.gov.br/documents/33916/394219/RESOLUCAO_16_1999.pdf/66b77435-cde3-43ce-839f-f468f480e5e5/> . Acesso em: 20 set. 2020.
  11. ANVISA. Resolução Nº 19, de 30 de abril de 1999. Ministério da Saúde - MS. Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa. Disponível em: <http://portal.anvisa.gov.br/documents/33916/388845/RESOLUCAO_19_1999.pdf/99351bc5-99b1-49a8-a1fd-540b4096db22> . Acesso em: 20 set. 2020.

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