Descrição:
O Futuro Burger é hambúrguer vendido em sua forma congelada que se diz de plantas e propõe o gosto e textura de carne, que pretende concorrer com frigoríficos, não com produtos vegetarianos ou veganos. A embalagem destaca que se trata de um produto vegano sem glúten, sem transgênicos e sem antibióticos. Um produto novo e revolucionário que promete ser mais saudável por ser a base de planta e ecológico, sem causar dor a nenhum animal. No entanto, a prometida “carne vegetal” dos fabricantes parece ficar apenas no gosto.
Fundamentos bromatológicos:
O Future Burguer é um preparado a base de soja que é considerada alimento funcional por fornecer nutrientes ao organismo e benefícios para a saúde. É rico em proteínas, contém isoflavonas, saponinas, fitatos, inibidores de protease, fitosteróis e peptídeos (ALBUQUERQUE T. L. et al, 2009). A composição descrita no rótulo, no entanto, não parece apresentar esses benefícios da soja, pois o preparado proteico (proteína texturizada de soja, proteína isolada de soja e proteína de ervilha, farinha de grão de bico) indicado na lista de ingredientes não garante essa riqueza nutricional. O produto apresenta em sua composição também gordura vegetal, amido modificado, cebola, sal, beterraba em pó, estabilizante metilcelulose, aroma natural e antioxidante ácido ascórbico. E em sua tabela de composição apresenta proteínas, carboidratos, gorduras, fibra alimentar e sódio apenas.
Um produto 100% fabricado, como o hambúrguer do futuro, possui menos variabilidade de composição que aqueles de origem animal, uma vez que a qualidade da carne é influenciada por fatores como espécie, idade, raça, alimentação e manejo (PITOMBO R.S. et al 2013). Além de todas as variabilidades a taxa específica de colágeno presente na carne pode reduzir o número absoluto de aminoácidos essenciais nesses alimentos e desequilibrar seu balanço proteico. (DELLA TORRE J.C.M. 2005). Apesar disso, a carne bovina é uma importante fonte de proteínas na dieta provendo um ótimo balanço de aminoácidos essenciais no geral para o homem. A média de percentagem de proteína é 24,62% entre 60 tipos e cortes diferentes de carne bovina com base na tabela TACO. Sendo o consumo recomendado diário de proteína para adultos de 50g segundo a RDC nº 269/2005, facilmente atingível com uma porção de carne no almoço e janta e complementando com oleaginosas. Já a carne vegetal como o Future burguer apresenta apenas 13,75% de proteína por 100g do produto e só contribui para 15% do valor recomendado por dia na porção indicada no rótulo. Para atingir os 50g seria preciso ingerir maior quantidade. Além da comparação proteica, a carne apresenta rica composição de micronutrientes como ferro e zinco e vitaminas como B12, sendo a carne sua principal fonte. A participação da carne bovina no atendimento das exigências de ferro é bastante expressiva. Apenas 22% das pessoas que se abstêm do seu consumo conseguem atender em 100% as exigências, enquanto o consumo de cerca de 100g de carne bovina por dia é suficiente para suprir as necessidades. Resultados semelhantes para zinco. (MEDEIROS S. R., 2008)
Os alimentos vegetais como alternativa para carne normalmente são piores fontes de ferro e zinco e não contêm vitamina B12 e ácidos graxos de cadeia longa ômega-3 (BAGHURST, 2007). No caso o hambúrguer do futuro, em sua tabela de composição além de ter baixo teor de proteína, não apresenta nenhum micronutriente ou vitamina, mostrando sua fórmula deficiente em nutrientes.
Legislação e Discussão:
Não há legislação específica para essa nova categoria de alimentos criada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) ou Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Segundo o SAC do fabricante o Futuro Burger é isento de número de registro, e se enquadra na resolução nº 23/2000 da ANVISA, na categoria de produtos congelados ou à base de soja, o qual destaca que o fabricante deve informar apenas início da fabricação do produto à autoridade sanitária para autorizar sua produção. Conforme RDC nº 278 de 22 de setembro de 2005 da ANVISA produto proteico de origem vegetal é um dos produtos alimentícios dispensados da obrigatoriedade de registro junto a ANVISA e são definidos como “alimentos obtidos a partir de partes proteicas de espécie(s) vegetal(is), podendo ser apresentados em grânulo, pó, líquido, ou outras formas com exceção daquelas não convencionais para alimentos; podem ser adicionados de outros ingredientes, desde que não descaracterizem o produto”. Deve obedecer os atos de Boas Práticas de Fabricação definidos pela RDC nº 275/2002, complementar a Portaria SVS/MS nº 326/97. O requisito para produto a base de proteína texturizada de soja: proteína base seca (N x 6,25) - mínimo 50,0 % (g/100 g) e de proteína concentrada de soja: proteína base seca (N x 6,25) - mínimo 68,0 % (g/100g). No entanto o hambúrguer apenas diz que é a base de plantas e em sua composição apresenta ambos os ingredientes além de proteína de ervilha em menor quantidade sem apresentar suas concentrações, mas com percentagem proteica baixa. Esta resolução foi posteriormente revogada pela Resolução RDC nº 27, de 6 de agosto de 2010, a qual mantêm a informação sobre esse produto: continua isento de registro sanitário.
Atualmente há o projeto de lei PL 2876/2019 em tramitação que pode proibir que produtos de origem não animal sejam comercializados sob o termo “carne” ou “hambúrguer”. A PL defende a definição de “carne” como tecidos comestíveis de espécies de açougue, conceito retirado do Decreto n° 9.013 de 2017 - Regulamento e Inspeção Industrial e Sanitária de produtos de Origem Animal (RIISPOA) e do MAPA. A intenção parece ser de distanciar o produto de um valor nutritivo mínimo e não definir normas de composição nutricional para se aproximar do valor biológico da carne para receber tal denominação mesmo que vegetal.
Pela legislação internacional, segundo o Codex Alimentarius, primeira edição sobre Cereals, Pulses, Legumes and Vegetable Proteins, diz que produtos de proteína vegetal são preparados a partir de soja por vários processos e cada tipo de proteína deve atender o teor de proteína com base no peso seco. Para proteína isolada de soja o teor tem que ser de 90% de proteína e o concentrado proteico de 65% e que devem ser identificados como tal em seus rótulos (CODEX STAN 175 -1989). No rótulo do Future burguer diz apenas que é de plantas e na lista de ingredientes aparece como preparado proteico (proteína texturizada de soja, proteína isolada de soja e proteína de ervilha) não identificando bem o tipo de produto no rótulo, e o teor proteico do produto não passa de 15%, valor baixo comparado ao de carne.
Conclusão:
O Hambúrguer do futuro promete ter o sensorial idêntico ao de carne não o valor biológico de uma, no entanto essa chamada para “carne” e os health claims por ser de planta, envolvidos podem, equivocadamente, dar a ideia de que o produto poderia substituir a carne em seu teor nutricional. Ao comparar a composição centesimal do produto ao de uma carne é possível destacar grandes diferenças, não sendo comparável nutricionalmente a carne bovina.
Referências bibliográficas:
ALBUQUERQUE T. L.; ANDRADE LIMA C.; OLIVEIRA V. S.; COELHO R. M. D.; RODRIGUES M. C. P. Processamento e aceitação sensorial de produto do tipo hambúrguer à base de soja (Glycine max) E ATUM (Thunnus spp). B.Ceppa, v. 27, n. 2, p. 191-198, Curitiba, jul./dez. 2009.
BRASIL. AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA - ANVISA. Resolução da diretoria colegiada- RDC nº 269, de 22 de setembro de 2005. Disponível em:< www.anvisa.gov.br/legis> Acessado em: 16 set. 2020.
DELLA TORRE J. C. M.; BERAQUET N. J. Composição centesimal e teor de colágeno em carne bovina moída. Ver. Inst. Adolfo Lutz, v.64, n.2 p.223-231, 2005.
MEDEIROS S. R. Valor Nutricional da Carne Bovina e suas Implicações para a Saúde Humana. Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária Embrapa Gado de Corte Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Documentos 171, ISSN 1983-974X, Campo Grande, MS, 2008.
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS – UNICAMP; NÚCLEO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM ALIMENTAÇÃO – NEPA. Tabela Brasileira de Composição de Alimentos – TACO 4ª edição revisada e ampliada. Campinas, SP, 2011.
R.S. PITOMBO, D.D.N. SOUZA, R.O.S. RAMALHO, A.B.A. FIGUEIREDO, V.C. RODRIGUES, D.D.G.C. FREITAS, J.C.S. FERREIRA. Qualidade da carne de bovinos superprecoces terminados em confinamento. Arq. Bras. Med. Vet. Zootec., v.65, n.4, p.1203-1207, 2013.
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