Actimel é um leite fermentado comercializado pela Danone cuja nova
formulação, através da adição da vitamina C, promete ajudar a imunidade do organismo
humano. A preocupação por parte da população em consumir produtos e alimentos
que ajudem a fortalecer a imunidade, em conjunto com uma alimentação saudável,
vem se tornando um hábito cada vez mais presente no dia a dia. Com isso, há uma
tendência geral por parte dos consumidores em conhecer o valor nutricional
desses alimentos industrializados, principalmente em relação à quantidade de
gorduras, calorias, minerais e outros nutrientes que possam trazer algum tipo
de benefício ou prejuízo àquele que o consome. Desse modo, o Actimel surge como
um leite fermentado parcialmente desnatado cuja formulação exclusiva conta com
bilhões de Lactobacilos casei defensis,
associado à vitamina C que ajuda o sistema imunológico, promovendo uma melhor
qualidade de vida.
A utilização de leites fermentados funcionais é muito bem vista pela
indústria de alimentos, pois esses produtos além de possuírem uma maior
aceitação pelo público, apresentam excelente valor nutritivo e são veículos em
potencial para o consumo de probióticos [1,2]. Esses últimos podem ser
definidos como microrganismos vivos que quando ingeridos em quantidades
adequadas, conferem benefício à saúde do hospedeiro, como o desenvolvimento e o
equilíbrio da flora microbiana no intestino [3,4]. Desse modo, será mesmo o Actimel
capaz de possuir tais propriedades funcionais benéficas ao organismo humano?
Fundamentos Bromatológicos
O Actimel sabor morango é um leite fermentado com um preparado de fruta
parcialmente desnatado, o qual possui aromatizantes sintéticos idênticos aos
naturais. Em relação a sua composição de maneira geral, todos os produtos
lácteos fermentados possuem um valor nutricional equivalente à composição do
leite de onde foram fabricados, apesar de pequenas diferenças na concentração
de alguns constituintes químicos devido à tecnologia de fabricação envolvida e
ao processo de fermentação. Esse processo de fermentação é extremamente
relevante, uma vez que aumenta a vida de prateleira do leite “in natura”,
tornando-o mais nutritivo, além de protegê-lo contra ação de microrganismos
patogênicos.
Legislação
Esse produto está dentro da categoria de alimentos com propriedades
funcionais e que possui diversas definições ao redor do globo. No Brasil, não
há definição de alimento funcional, mas sim a alegação de propriedade funcional
e de saúde onde segundo a portaria n 398º, de 30 de abril de 1999, são
estabelecidas as diretrizes básicas para análise e comprovação de propriedades
funcionais e ou de saúde alegadas em rotulagem de alimentos [5,6]. Essa
definição difere do Codex Alimentarius
que também define dois tipos de alegações: nutricional e de saúde, entretanto não
as nomeia como funcionais [7]. Um fato a se destacar é que ao mesmo tempo em
que estudos científicos vêm demostrando que uma correta alimentação concomitante
ao uso de alimentos específicos contribui para manutenção da saúde,
regularmente o consumidor é confundido pelo uso de nomenclaturas e alegações de
propriedades que não foram comprovadas cientificamente ou por informações
incompletas.
Em relação a legislação para leites fermentados, de acordo com a IN Nº 46, 23/2007, esse produto
pode ser chamado de leite fermentado pois a fermentação se realiza com cultivo
de Lactobacillus casei e apresentam os seguintes ingredientes obrigatórios: leite
e/ou leite reconstituído padronizado em seu conteúdo de gordura, além de
cultivos de bactérias lácticas e/ou cultivos de bactérias lácticas específicas.
Como são parcialmente desnatados, devem apresentar um conteúdo de matéria gorda
máxima de 2,9 g/100 g o que atinge as expectativas uma vez que essa bebida
apresenta 1,6 g/100 g. Pode-se acrescentar ingredientes opcionais como o
preparado à base de frutas que deverão estar presentes em uma proporção máxima
de 30% (m/m) do produto final. Pelo fato de terem adição de açúcar e dextrose,
são chamados de leites fermentados açucarados [8, 9].
Discussão
Em 2009, a Danone foi condenada a pagar cerca de 21 milhões de dólares
por conta de alegações exageradas sobre as propriedades saudáveis de seus
produtos Activia e sua bebida láctea DanActive (Actimel nos EUA e Canadá).
Segundo a própria Danone, o DanActive aumentaria a imunidade das pessoas, o que
não foi comprovado cientificamente [10]. Desse modo, foram feitos diversos
estudos científicos sobre as propriedades probióticas das bactérias presentes no
Actimel, onde um deles, uma revisão sistemática, concluiu que não há evidências
científicas suficientes para apoiar as alegações de saúde feitas para produtos
que contenham Lactobacillus casei para
pessoas saudáveis [11]. Um outro estudo realizado em 2014 na Inglaterra
constatou que o número de bactérias que sobrevivem ao estômago ficou muito
abaixo do esperado [12], não gerando os benefícios de fato, uma vez que elas
precisam atravessar o estômago para realizarem sua ação no intestino. Na
sequência, um estudo feito em 2018 na Espanha detalhou todos os componentes do
Actimel junto a legislação e confirmou que as alegações de saúde propostas pela
marca confundiam os consumidores, não havendo comprovação de fato delas [13].
Por fim, estudos que mostraram os benefícios funcionais do Actimel, foram
vistos somente em pacientes com alguma desordem gastrointestinal, como uma
diarreia, por exemplo, ou em mães no puerpério, onde cientistas alegaram que
favorecia o retorno à normalidade dos parâmetros imunológicos [14, 15].
Após os mais variados estudos feitos sobre as propriedades de suas
culturas probióticas bem como da sua propaganda, nos dias de hoje a Danone
modificou seu slogan ao trocar “aumento da imunidade” para “ajuda sua
imunidade”, ao adicionar componentes sabidos pela literatura que auxiliam o
sistema imunológico, como é o caso da vitamina C, um poderoso antioxidante.
Essa é uma jogada de marketing, uma vez que tira a evidência das culturas
probióticas e a coloca como foco na vitamina C, gerando interesse entre os
consumidores preocupados com a saúde.
Conclusão
Apesar
de ser considerado um alimento com propriedades funcionais segundo a
legislação, não foi possível se chegar a um resultado confiável sobre a
utilização desses produtos para manutenção de uma microbiota em pacientes
saudáveis. É necessário se ter estudos mais aprofundados e conclusivos sobre a
utilização desses probióticos para pessoas saudáveis, bem como uma legislação
mais rigorosa sobre a cobrança de estudos científicos regulares. Além disso, o
rótulo deve ser expresso de forma coesa e objetiva de modo que não venha a
ludibriar os consumidores com propagandas enganosas ou informações incompletas.
Referências Bibliográficas
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buttermilk probiótico. Ciênc Tecnol Aliment 2007;27(1):83-90.
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Rev Bras Ciênc Farm 2002;38(1):1-21.
[3] DE LAS CAGIGAS REIG, Ada Lydia;
ANESTO, Jorge Blanco. Prebióticos y probióticos, una relación
beneficiosa. Revista Cubana Aliment Nutr, v. 16, n. 1, p. 63-8,
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[4] FAO/WHO. Guidelines for the
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Drafting Guidelines for the Evaluation of Probiotics in Food, p. 1–11. 2002
[5] ANVISA
(1999). AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA Resolução nº 18, de 30 de
abril de 1999. Aprova o Regulamento
Técnico que estabelece as diretrizes básicas para análise e comprovação de
Propriedades Funcionais.
[6] Brasil. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Portaria n° 398. Define as diretrizes básicas para análise e
comprovação de propriedades funcionais e ou de saúde alegadas em rotulagem de
alimentos. 30 de abril de 1999.
[7] FAO/WHO. Codex Alimentarius, CAC/GL 23-1997, Guidelines for the use of nutrition claims;
1997.
[8] Brasil. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
Resolução nº 05, de 13 de novembro de 2000. Padrão de identidade e qualidade de leites fermentados. Brasília;
2000.
[9] Brasil.
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Instrução Normativa nº 46,
de 23 de outubro de 2007. Regulamento
Técnico de Identidade e Qualidade de Leites Fermentados. Brasília; 2007.
[11] MELÉNDEZ-ILLANES, Lorena et al. Does
the scientific evidence support the advertising claims made for products
containing Lactobacillus casei and Bifidobacterium lactis? A systematic
review. Journal of Public Health, v. 38, n. 3, p. e375-e383, 2016.
[12] FREDUA-AGYEMAN, Mansa. The application of
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Tese de Doutorado. UCL (University College London).
[13]
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consumidor medio. Activia, Actimel y Puleva Omega 3 a la vista del Reglamento
1924/2006. Rev. Bioética y Derecho [online]. 2018, n.42
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[14] ORTIZ-ANDRELLUCCHI, Adriana. Estudio
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durante el puerperio. 2008. Tese de Doutorado.
[15] ISOLAURI,
Erika et al. A human Lactobacillus strain (Lactobacillus casei sp strain GG)
promotes recovery from acute diarrhea in children. Pediatrics, v.
88, n. 1, p. 90-97, 1991.
gostei!
ResponderExcluirExcelente trabalho, muito bom mesmo.
ResponderExcluirpor isso não podemos confiar nem nos rótulos sempre querem nos passar pra trás
ResponderExcluirAdorei a postagem. Muito informativa! Vale a pena a leitura :)
ResponderExcluirAhh se os alimentos fizessem tudo que dizem para o consumidor nos rótulos... Ótimo trabalho! As pessoas tem que se informar sobre o que consomem. Conhecimento é saber!
ResponderExcluirParabéns pelo conteúdo da postagem. Bom para compreender a importância da leitura dos rótulos de alimentos. E assim poder julgar se todas as substituições são mais saudáveis ou apenas por influência do marketing.
ResponderExcluirNossa que trabalho incrível! Parabéns!
ResponderExcluirAdorei o trabalho! Os rótulos são informações necessárias para um consumo consciente e adorei saber as RDC's equivalentes. Parabéns!
ResponderExcluirSão uns bandos de mentirosos e enganadores. Compro sempre esse Danone e é tudo mentira. Que bom que existe conteúdo como esse.
ResponderExcluirDevido ao marketing as pessoas acham que estão ingerindo um produto saudável. Muito boa a reportagem.
ResponderExcluirÓtimo trabalho! Muito interessante
ResponderExcluirAcompanhei de perto a realização deste trabalho feito pelo Felipe e é com grande satisfação que o parabenizo pelo esforço e determinação nesta pesquisa, no intuito de mostrar o quão é necessário estarmos atentos aos rótulos dos alimentos e se realmente eles entregam aos consumidores o que eles prometem. Como sei que o seu nível de exigência com você mesmo é alto e que você não faz nada superficialmente, não fiquei surpreso com a aceitação que o seu trabalho está tendo. Parabéns meu filho e que você continue trilhando o seu desejo de se aperfeiçoar a cada dia e poder fazer do seu Curso de Farmácia o meio de poder ajudar as pessoas a ter uma qualidade de vida melhor.
ResponderExcluirMuito esclarecedoras as informações sobre o produto. Parabéns Filho por todo empenho e carinho que você faz acontecer em sua vida. Precisamos ter consciência de tudo que consumimos para atingir o que desejamos , nesse caso , Nossa Saúde!
ResponderExcluirEu nem me surpreendo mais lendo que o rótulo não condiz com o que promete. Parabéns, excelente trabalho e pesquisa!
ResponderExcluirFantástico. Parabéns pelo trabalho eficiente, primoroso e de notável dedicação.
ResponderExcluirGente, parabéns! A pesquisa mostra o quanto a informação acessível e legível, agrega na hora da escolha do produto, consequentemente a nossa vida.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirFelipe, parabéns pelo excelente trabalho. Não tenho hábito de ler rótulos, confio na marca e no marketing. Você demonstrou que é um erro essa postura. Devemos saber o que estamos consumindo porque é nossa saúde que está em jogo. Muito bom. 👏👏👏
ResponderExcluirCaramba!!! Muuuuito bom! Não sabia de nada disso! Agora fico mais ciente ao ler e procurar mais a fundo sobre aquilo que consumo! Matéria incrível! Gratidão!
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