Apresentação

Espaço para a apresentação e análise de estudos e pesquisas de alunos da UFRJ, resultantes da adoção do Método de Educação Tutorial, com o objetivo de difundir informações e orientações sobre Química, Toxicologia e Tecnologia de Alimentos.

O Blog também é parte das atividades do LabConsS - Laboratório de Vida Urbana, Consumo & Saúde, criado e operado pelo Grupo PET-SESu/Farmácia & Saúde Pública da UFRJ.Nesse contexto, quando se fala em Química e Tecnologia de Alimentos, se privilegia um olhar "Farmacêutico", um olhar "Sanitário", um olhar socialmente orientado e oriundo do universo do "Consumerismo e Saúde", em vez de apenas um reducionista Olhar Tecnológico.

sábado, 31 de outubro de 2020

Chá verde em sachê: saudável ou apenas convincente?

O chá verde em sachê possui o efeito protetor que promete, sem oferecer nenhum risco para a saúde?  


DESCRIÇÃO:

Desde o século passado, o consumo de chá vem se intensificando em todo o mundo. No Brasil, uma pesquisa da Europass mostrou que o consumo per capita de chás aumentou em 53% entre 2010 e 2019. Este aumento pode ser observado, também, com o crescimento no número de estabelecimentos especializados na venda destes produtos, bem como nos supermercados, farmácias, drogarias e lojas especializadas. Segundo a Food and Agriculture Organization of the United Nations, a produção de chá verde ainda irá aumentar cerca de 7,5% por ano, alcançando 3,6 milhões de toneladas em 2027, demonstrando que o chá verde é um grande candidato no mercado consumidor dos chás.

Uma das causas para isso é o grande marketing que o chá-verde vem recebendo, devido ao seu potencial termogênico e terapêutico, já que suas moléculas, em especial a epigalocatequina-3-galato (EGCQ), demonstrou ter, in vitro, uma atividade antioxidante e protetora contra o aparecimento e progressão de doenças.

Com este aumento da procura pelo chá, houve um estímulo por parte da indústria alimentícia a difundir os benefícios de chá verde. Preparado a partir de partes do vegetal Camellia sinensiso chá verde começou a ser apresentado de diferentes formas para o mercado consumidor, tais como chá-gelado pronto para consumo, sachês para infusão e até mesmo na forma de cápsulas fitoterápicas.

FUNDAMENTOS BROMATOLÓGICOS:

Na maioria das vezes, o chá verde é considerado natural e saudável, já que não costuma receber nenhum tipo de ultra-processamento, além de estar atrelado a benefícios para a saúde. Estudos recentes demonstraram que o consumo de chá verde está associado à redução dos radicais livres e espécies reativas de oxigênio e dos níveis de colesterol.

Além disso, possui efeito termogênico, atividade imunoestimulatória, antimicrobiana e antioxidante, auxiliando na prevenção de doenças crônico-degenerativas, como cânceres, doenças neurodegenerativas e doenças cardiovasculares. Logo, é possível inferir que este é um forte aliado no emagrecimento e na promoção de saúde, portanto, considerado um alimento funcional, além de ser rico em fitonutrientes. 

Contudo, embora seja um produto natural, o uso indiscriminado das diversas partes vegetais utilizadas no preparado do chá verde não é isento de malefícios para a saúde do consumidor.

LEGISLAÇÃO:

Foram analisados os rótulos de embalagens diversas de chá-verde a fim de se analisar se essas estavam de acordo com o previsto nas resoluções oficiais publicadas referentes aos chás.

Segundo a Resolução RDC nº 277, de 22 de setembro de 2005, da ANVISA, os rótulos e contra rótulos dos chás não podem conter informações que atribuam algum tipo de indicação medicamentosa ou terapêutica ou indicações para lactentes. Este se dá uma vez que se tratam de alimentos, logo, não podem estar associados a potenciais terapêuticos ou medicamentosos.

Além disso, segundo o Informe Técnico nº 45, de 28 de dezembro de 2010, da ANVISA, são previstas, para o preparo do chá verde, preto e branco, as folhas e os talos de Camellia sinensis, já que ambos os chás derivam da mesma planta, porém com processamentos diferentes.

DISCUSSÃO:

Analisando os rótulos de chá verde em sachê, é possível observar uma pluralidade de composição, variável de marca para marca. Os rótulos das marcas Leão, líder no mercado nacional, e Twinings especificam que os seus sachês de chá são feitos com as folhas do vegetal. Já no rótulo da marca Dr. Oetker consta que os sachês são feitos a partir de folhas e frutos. No rótulo do chá-misto da marca Densinchá, consta, na lista de ingredientes disponível no site da marca, apenas chá-verde, como ingrediente majoritário, sem especificações das partes da planta utilizadas. Considerando que as moléculas de interesse se encontram majoritariamente nas folhas do vegetal, esta diferença de composição pode ser um problema para o consumidor, porém esta informação não consta em nenhum dos rótulos analisados.

Embora o consumo dos chás em sachê não sejam estimulado nos rótulos dos produtos, na descrição destes em diversos sites para compra, é possível observar informações como “proteção das células do organismo”, “retardo do envelhecimento celular”, “combate ao colesterol”, “prevenção de doenças do coração”, dentre outros benefícios do uso de chá verde em sachês. Desta forma, é possível atribuir um potencial fitoterápico a um alimento, que, acaba estimulando o consumidor a comprar o produto, dando a ilusão de que há efeitos terapêuticos associados ao consumo daquele alimento.

Além disso, em nenhum dos rótulos ou descrição dos produtos, seja nos pontos de venda seja online, há alguma especificação sobre a quantidade mínima necessária que deve ser consumida diariamente para que se atinjam os efeitos terapêuticos desejados. Não consta, também, a quantidade máxima recomendada para o consumo diário, o que pode induzir o consumidor a consumir quantidades além das recomendadas de chá verde, dando a falsa sensação de que, por ser um alimento natural, não há riscos para a saúde atribuídos ao consumo excessivo do produto.

Não foram encontradas também nenhuma informação sobre as quantidades de cafeína ou EGCG, a molécula com o potencial benéfico para a saúde, de forma que não é possível chegar a nenhuma conclusão sobre o quanto destas estão sendo ingeridas ao consumir os chás de ambas as marcas.

Estudos in vitro demonstraram que o ECCG também atua como ligante de proteínas envolvidas em diversas doenças neurodegenerativas, modulando diversos processos considerados chave para o aparecimento e progressão dessas doenças.

Outros estudos demostraram que o EGCG também atua inibindo a catecol-O-metiltransferase, enzima que metaboliza neurotransmissores excitatórios, como adrenalina e noradrenalina. Desta forma, há um aumento do tempo de ação desses neurotransmissores na fenda sináptica, levando a um estímulo excitatório e termogênico, potencializado pela cafeína. Além disso, este também melhora os defeitos cognitivos induzidos por alto teor de gordura e frutose, regulando as vias de sinalização IRS / AKT e ERK / CREB / BDNF no sistema nervoso central. O EGCQ, também, induz uma melhora na obesidade e doença hepática gordurosa não alcóolica, além de reduzir significativamente as concentrações de colesterol LDL circulantes e triglicerídeos (TG), especialmente em indivíduos com concentrações basais de TC elevadas.

Entretanto, apesar dos efeitos benéficos, muitos dos quais já conhecidos pela população leiga, o chá verde também possui efeitos adversos desconhecidos por grande parte da população, já que não são citados em rótulos, embalagens ou descrição dos produtos. O consumo diário de 65g de chá verde, em um período superior a cinco anos, pode levar a efeitos adversos indesejados. Dentre eles destaca-se: hepatotoxicidade e morte de hepatócitos, distúrbios gastrointestinais e irritação gástrica, hepatite fulminante como necessidade de transplante de fígado, redução do apetite, insônia, hiperatividade, nervosismo, aumento da pressão arterial, aumento da frequência cardíaca (taquicardia). Paralelo a issoo consumo elevado de cafeína está associado a efeitos adversos como palpitações, cefaleia e vertigem, sendo recomendado que a ingestão diária de cafeína não ultrapasse 300mg.

De acordo com a American Dietetic Association, o consumo diário de 4-6 xícaras de chá verde é o ideal para se obter a fim de obter os efeitos benéficos do chá, como  efeito anticarcinogênico. Além disso, a forma como a bebida é preparada também é relevante na redução do processo oxidativo. Não é recomendado o armazenamento do chá verde por um longo período, pois há a degradação dos polifenóis ativos.

Recomenda-se o uso de quatro colheres de sopa para cada 1 litro de água, quantidade esta que acaba sendo mais descontrolado com o uso da bebida em sachê. Também se recomenda que ele seja consumido entre as refeições, para que não haja nenhum comprometimento na biodisponibilidade de outros nutrientes da dieta. Entretanto, essas informações são variáveis entre médicos e nutricionistas.

Além disso, as evidências científicas avaliadas, até o momento, não comprovam que o chá verde é totalmente seguro para a saúde humana, em todas as suas formas de apresentação.

CONCLUSÃO:

Mesmo sendo um alimento funcional, rico em fitonutrientes, o consumo de chá verde não deve ser realizado sem precauções. Deve-se estar atento para a forma como este é consumido, uma vez que nem todas as formas do chá em sachê apresentam as partes do vegetal que contém as moléculas ativas, bem como aos tipos de chá. Embora os chás verde, branco e preto sejam derivados da mesma planta, Camellia sinensis, ambos passam por processos de colheita e processamento diferentes, resultando em produtos com diferentes características funcionais. Embora o chá seja um produto natural, deve-se estar atento para as quantidades deste que são ingeridas. Mesmo sendo um vegetal, os produtos oriundos do metabolismo têm função bioativa no corpo e, consequentemente, podem levar a efeitos adversos indesejados, uma vez que não se sabe, ao certo, a quantidade de produtos bioativos que está sendo ingerida em uma xícara de chá. Desta forma, a janela terapêutica é incerta, já que não é possível mensurar as concentrações mínimas para se ter o efeito benéfico e/ou terapêutico desejado, bem como as concentrações máximas para se atingir os efeitos adversos – e tóxicos – indesejados.

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