Apresentação

Espaço para a apresentação e análise de estudos e pesquisas de alunos da UFRJ, resultantes da adoção do Método de Educação Tutorial, com o objetivo de difundir informações e orientações sobre Química, Toxicologia e Tecnologia de Alimentos.

O Blog também é parte das atividades do LabConsS - Laboratório de Vida Urbana, Consumo & Saúde, criado e operado pelo Grupo PET-SESu/Farmácia & Saúde Pública da UFRJ.Nesse contexto, quando se fala em Química e Tecnologia de Alimentos, se privilegia um olhar "Farmacêutico", um olhar "Sanitário", um olhar socialmente orientado e oriundo do universo do "Consumerismo e Saúde", em vez de apenas um reducionista Olhar Tecnológico.

sábado, 31 de outubro de 2020

Activia e atuação na regulação do intestino

 

O Activia pode ser utilizado por pessoas constipadas ou apenas há marketing envolvido neste produto?



Nos dias atuais, cada vez mais há uma preocupação com a qualidade dos alimentos ingeridos pela população. Os consumidores estão cada vez mais atentos à alimentação voltada para a saúde, através do consumo dos alimentos funcionais. Além dos alimentos que possuem propriedades bioativas, os probióticos, prebióticos e simbióticos são considerados também alimentos funcionais. 
Em condições normais, inúmeras espécies de bactérias estão presentes em nossa microbiota intestinal. Essa composição torna o intestino capaz de responder a possíveis variações anatômicas e físico-químicas, visto que a microbiota intestinal exerce influência considerável sobre diversas reações bioquímicas do hospedeiro. Além disso, quando nossa microbiota encontra-se em equilíbrio, esta impede que microrganismos potencialmente patogênicos nela presentes exerçam seus efeitos patogênicos. Por outro lado, o seu desequilíbrio pode levar a proliferação de patógenos, e, consequentemente, a  infecção bacteriana. 
A microbiota saudável conserva e promove o bem-estar e a ausência de doenças, especialmente  no trato gastrointestinal. Por isso, o racional que envolve o uso de probióticos é a correção do desbalanço desta microbiota. A influência dos probióticos sobre a microbiota intestinal humana inclui diversos fatores. Entre eles, temos os efeitos antagônicos e a competição contra microrganismos indesejáveis e os efeitos imunológicos.
Os probióticos eram definidos como suplementos alimentares, mas essa definição foi substituída. Atualmente, a definição aceita é que são microrganismos que, quando administrados em quantidades adequadas, confere uma melhora na saúde do hospedeiro.  A influência dos probióticos é benéfica e inclui diversos fatores, como efeitos antagônicos, competição e efeitos imunológicos, levando a um aumento da resistência a patógenos, visto que estimula o crescimento de bactérias benéficas, enquanto compete com patógenos, reforçando os mecanismos naturais de defesa do hospedeiro. 
O mecanismo de ação dos probióticos envolve diversas vias. Entre elas, ocorre a supressão do crescimento de patógenos por produção de substâncias antimicrobianas, competição por nutrientes e sítios de adesão. Outro mecanismo utilizado é a modificação do metabolismo microbiano por modulação enzimática. Também estimula o sistema imunológico, estimulando o aumento de  anticorpos e pelo aumento da atividade dos macrófagos. 
As principais bactérias utilizadas como probióticos são dos gêneros Lactobacillus e Bifidobacterium, e em menor escala, Enterococcus faecium. São bactérias que já são encontradas em regiões do intestino, como o íleo terminal e cólon. Sobre a atividade das bifidobactérias, é importante salientar que os efeitos de determinada bactéria é específico de determinada cepa, não podendo ser extrapolado, inclusive para cepas da mesma espécie. Nas espécies do gênero Bifidobacterium, as principais  bactérias que possuem atividades probióticas são a B. bifidum, B. breve, B.infantis, B. lactis, B. animalis, B. longum e B.thermophilum. 
O Activia é uma marca de iogurtes fermentados da Nestlé. Neste produto comercializado em diversos mercados encontram-se os probióticos do tipo Bifidobacterium animalis subsp. lactis CNCM I-2494, patenteada pela Nestlé e é popularmente conhecida como “Dan Regularis”. Neste trabalho será discutida as informações nutricionais do Activia, o efeito da bactéria probiótica em pessoas com constipação, a legislação associada a este tipo de produto e outros efeitos relacionados ao uso contínuo deste leite fermentado. 

Fundamentos Bromatológicos

Informações nutricionais do Activia

Os seguintes componentes são encontrados na produção do Activia Líquido 850g - Sabor Morango que foi utilizado como exemplo para este estudo: 
“Leite parcialmente desnatado e/ou reconstituído, açúcar e/ou xarope de açúcar, preparado de morango (água, polpa de morango, açúcar, amido modificado, corante natural carmim cochonilha, acidulante ácido cítrico, aromatizantes, conservador sorbato de potássio e espessante goma xantana), fibra alimentar goma acácia, amido modificado e fermento lácteo.”
Os produtos da linha do Activia possuem em sua composição as seguintes bactérias: a  Bifidobacterium animalis subsp. lactis CNCM I-2494, responsável pela pelo efeito probiótico do Activia; o Lactococcus, que libera compostos aromáticos no produto; além das bactérias fermentadoras Lactobacillus bulgaricus e Streptococcus thermophilus (culturas iniciadoras). Estas culturas iniciadoras são adicionadas no leite pasteurizado a 37°C e realizam uma fermentação lenta por 8 horas, onde as bactérias utilizam a lactose presente no leite como fonte energética, liberando ácido lático, que reduz o pH do leite, culminando na formação do leite fermentado de aspecto mais cremoso. 
Quanto às informações nutricionais, vemos que em 170g do produto, temos: 
22 g de carboidratos, que podem ser explicados pela grande quantidade de açúcares na composição. 4,4 g de proteínas provenientes majoritariamente do leite utilizado, assim  como 1,8g de gorduras totais. Também possui 0,7 gramas de fibra alimentar, provenientes provavelmente do Goma acácia citada na informação dos ingredientes. Quanto aos micronutrientes, podemos falar sobre a quantidade de 71 mg de sódio e 171 mg de cálcio. Esse produto possui uma boa quantidade de cálcio, visto que é obtido a partir da fermentação do leite, que é rico neste mineral.
Considerando o exposto acima, pode-se inferir que este alimento deve ser ingerido em uma dieta balanceada, visto que possui uma grande quantidade de carboidratos (22g) e a ingestão diária recomendada de carboidratos para um adulto é 130g, correspondendo a aproximadamente 17% da ingestão total de carboidratos. Este alimento também contribui significativamente para a reposição de cálcio, visto que a ingestão diária recomendada é 1000mg, correspondendo a 17,1% da ingestão total de cálcio. 

Efeito probiótico da  Bifidobacterium animalis subsp. lactis CNCM I-2494

    Há poucos estudos que informam os efeitos desta bactéria no organismo e todos os estudo encontrados envolvem o Danone Nutricia Research, Innovation Science and Nutrition. Esta escassez de dados pode estar associado ao fato de que esta bactéria é patenteada pela danone, sendo esta a principal pesquisadora dos efeitos biológicos associados ao uso deste probiótico. Dentre estes, destacam-se o artigo de revisão de Waitzberg et al, que, verificou alguns estudos relacionados a essa cepa de Bifidobacterium e verificou que houve um diminuição do desconforto intestinal, flatulência, aumento da função intestinal com diminuição da consistência das fezes, assim como também poderia auxiliar com o sintoma de constipação em pessoas que sofrem de estresse. Neste artigo, o autor conclui que o uso de leites fermentados contendo este probiótico pode ter efeito positivo em mulheres sadias que fazem uso contínuo, por no mínimo 15 dias. Marteau et al demonstrou em seu estudo que o leite fermentado contendo esta cepa pode auxiliar no alívio dos sintomas de síndrome do intestino irritável em mulheres em um tempo menor do que do que outros probióticos, com efeito independente de uso de fibras ou exercício físico (2 semanas). No entanto, este estudo não conseguiu avaliar o efeito deste probiótico quando associado ao uso de fibras e exercício físico. Além disso, não é possível prever qual seria o  efeito a longo prazo do uso deste probiótico por pessoas com síndrome de cólon  irritável e nem se os efeitos retornaram com a interrupção do uso. Nevé et al observou que o uso de leites fermentados contendo esta cepa por 4 semanas em indivíduos sadios que fazem uma dieta rica em resíduos fermentativos ocorreu a diminuição dos efeitos de flatulência, inchaço abdominal, melhorou a sensação de bem  estar intestinal e reduziu o número de evacuações anais de gás. Este último efeito não era observado após a ingestão de alimentos ricos em resíduos fermentativos. 

Legislação aplicada a produtos probióticos
 
    De acordo com a Resolução nº 5, de 13 de novembro de 2000, “leites fermentados são os produtos resultantes da fermentação do leite pasteurizado ou esterilizado, por fermentos lácticos próprios”. Estes devem ser viáveis, ativos e abundantes no produto final durante o seu prazo de validade. O iogurte é um dos produtos incluídos nesta definição de acordo com esta Resolução, “cuja fermentação se realiza com cultivos protosimbióticos de  Streptococcus salivarius subsp. thermophilus e Lactobacillus delbrueckii subsp. bulgaricus aos quais podem-se acompanhar, de forma complementar, outras bactérias ácido-lácticas que, por sua atividade contribuem para a determinação das características do produto final”. O leite utilizado na fabricação destes produtos pode ser in natura ou reconstituído, adicionado ou não de outros produtos de origem láctea, bem como de outras substâncias alimentícias recomendadas pela tecnologia atual de fabricação de leites fermentados. 
        O Activia é um produto lácteo que é encontrado nos mercados na categoria de iogurte, mas não há nada em sua rotulagem que exponha isso. No entanto, em sua composição básica temos as bactérias  Streptococcus e Lactobacillus. Segundo a rotulagem do Activia, esse produto possui probióticos naturais.  Para atender ao termo probiótico, segundo a RDC Anvisa nº 241, de 27 de julho de 2018, probióticos são “ micro-organismo vivo que, quando administrado em quantidades adequadas, conferem benefício à saúde do indivíduo”. Neste produto, temos a presença do probiótico patenteado pela Nestlé Bifidobacterium animalis CNCM I-2494, que foi patenteada pelo nome “Dan Regularis”. 
O uso de probióticos em alimentos requer a comprovação da sua segurança e benefícios à saúde. No artigo 13 da RDC nº 241, de 27 de julho de 2018, “o benefício alegado pode ter caráter geral ou específico, levando em consideração a totalidade e o nível das evidências disponíveis”. Segundo o site oficial da Activia, “existem, hoje, diversos ensaios clínicos sobre os mecanismos de ação de Activia que comprovem o benefício do produto no conforto digestivo”. 
É importante citar também a RDC nº 18, de 30 de abril de 1999, que “prova o Regulamento Técnico que estabelece as diretrizes básicas para análise e comprovação de propriedades funcionais e ou de saúde alegadas em rotulagem de alimentos’. Nesta RDC, ele também é reforçada a necessidade de que é necessária a comprovação de que este alimento ou ingrediente possui propriedades funcionais ou de saúde, ou seja, “além de funções nutricionais básicas, produzir efeitos metabólicos e ou fisiológicos e ou efeitos benéficos à saúde, devendo ser seguro para consumo sem supervisão médica”. Segunda a RDC nº 18, de 30 de abril de 1999, “a comprovação da alegação de propriedades funcionais e ou de saúde de alimentos e ou de ingredientes, deve ser conduzida com base em consumo previsto ou recomendado pelo fabricante; finalidade, condições de uso e valor nutricional, quando for o caso; e evidências científicas”. Estas evidências incluem a composição química com caracterização molecular, quando aplicável; ensaios (bioquímicos, nutricionais, fisiológicos, toxicológicos) em animais de experimentação; estudos epidemiológicos, ensaios clínicos, evidências em literatura e legislação, e comprovação de uso tradicional, quando aplicável. 

Discussão e conclusão

    A partir dos dados obtidos, podemos observar que o Activia pode auxiliar na regulação do intestino de pessoas sadias. No entanto, foi observado que esse efeito ocorre unicamente com uso contínuo de 1 ou 2 unidades de produto por dia, durante, no mínimo, 15 dias. Os efeitos principais observados nestes estudos foram a sensação de melhora no trato gastrointestinal e melhora nos sintomas relacionados a gases. De acordo com a legislação, o produto com propriedades funcionais necessita de comprovação da eficácia e segurança do produto. Em pessoas com constipação crônica e síndrome do intestino irritável, os sintomas foram diminuídos, mas não há evidências que suportem que  o uso contínuo e prolongado de Activia pode manter esses efeitos e nem se o seu uso for interrompido, ocorrerá o retorno destes sintomas desconfortáveis. Além disso, é importante salientar que este produto contribui significativamente para a ingestão diária de carboidratos, visto que 1 unidade corresponde a 17% da ingestão diária de carboidratos para um adulto. Considerando os estudos analisados, em doses de 1 ou 2 unidades de produto, esse valor varia entre 17% e 34% da ingestão de carboidratos diária recomendada para o adulto. Desta forma, é importante que o usuário possua uma alimentação balanceada e possua a prática regular de exercícios físicos. Além de contribuir para a manutenção do bem-estar físico, também contribuirá significativamente para o problema de constipação. 

Referências 

BRASIL, Ministério da Agricultura e do Abastecimento. Secretaria de Defesa Agropecuária. Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal. Resolução Nº 5 de 13 de novembro de 2000. Padrões de Identidade e Qualidade (PIQ) de Leites Fermentados, DOU, 15 de nov. de 2000. 
BRASIL, ANVISA. RESOLUÇÃO DA DIRETORIA COLEGIADA - RDC Nº 241, de 26 de  julho de 2018. Dispõe sobre os requisitos para comprovação da segurança e dos benefícios à saúde dos  probióticos para uso em alimentos. 26 de julho de 2018. 
BRASIL, ANVISA. Resolução nº 18, de 30 de abril de 1999. Aprova o Regulamento Técnico que estabelece as diretrizes básicas para análise e comprovação de propriedades funcionais e ou de saúde alegadas em rotulagem de alimentos, constante do anexo desta portaria. 30 de abril de 1999.
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