Apresentação

Espaço para a apresentação e análise de estudos e pesquisas de alunos da UFRJ, resultantes da adoção do Método de Educação Tutorial, com o objetivo de difundir informações e orientações sobre Química, Toxicologia e Tecnologia de Alimentos.

O Blog também é parte das atividades do LabConsS - Laboratório de Vida Urbana, Consumo & Saúde, criado e operado pelo Grupo PET-SESu/Farmácia & Saúde Pública da UFRJ.Nesse contexto, quando se fala em Química e Tecnologia de Alimentos, se privilegia um olhar "Farmacêutico", um olhar "Sanitário", um olhar socialmente orientado e oriundo do universo do "Consumerismo e Saúde", em vez de apenas um reducionista Olhar Tecnológico.

terça-feira, 27 de outubro de 2020

Nutren Senior e a saúde do idoso

Nutren Senior e a saúde do idoso


Nutren Senior é a solução para ter saúde na terceira idade? Qual é o perigo por trás da suplementação excessiva?

Descrição do produto:
   O Nutren Senior promete ser um suplemento alimentar para a terceira idade. Segundo o site da marca, o produto é um complemento alimentar desenvolvido para atender as necessidades nutricionais de quem tem mais de 50 anos, ofertado no formato de um composto lácteo. O que é composto lácteo? É o produto resultante da mistura de leite (no mínimo 51%) e outros ingredientes lácteos ou não lácteos como soro de leite, óleos vegetais, açúcar e substâncias químicas para dar sabor, aroma, aumentar a durabilidade etc., chamadas de aditivos alimentares.
   Dentre outros elementos, ele contém sódio, fósforo e Maltodextrina. Como esses elementos e o uso indiscriminado e sem orientação médica adequada desse produto se relaciona com doenças crônicas comuns da terceira idade, como a pressão arterial elevada, osteoporose e diabetes?

Fundamentos Bromatológicos:



Legislação:
   A definição de Suplementos alimentares desenvolvida pela Anvisa foi cunhada com base nas diretrizes do Codex Alimentarius e nas normas dos Estados Unidos e da União Europeia, o que auxilia na convergência regulatória. Ela define esse produto como:
“Produto para ingestão oral, apresentado em formas farmacêuticas (pós, líquidos, tabletes, drágeas, cápsulas, granulados e pastilhas mastigáveis), e destinado a suplementar a alimentação de indivíduos saudáveis com nutrientes, substâncias bioativas, enzimas ou probióticos, isolados ou combinados”.
Segundo a Anvisa também, os suplementos alimentares não são medicamentos e, por isso, não servem para tratar, prevenir ou curar doenças.
   Apesar de haver uma regulamentação estabelecida hoje, foram quase dez anos de discussão entre o setor produtivo e a Anvisa até a publicação do novo marco regulatório para suplementos alimentares no Brasil, em 2018:
RDC 243/2018: criou a categoria de suplementos alimentares e dispôs sobre os requisitos sanitários.
RDC 242/2018: alterou a legislação de medicamentos específicos para torná-la coerente com o novo marco regulatório de suplementos alimentares.
RDC 241/2018: estabeleceu os requisitos para comprovação da segurança e dos benefícios à saúde dos probióticos para uso em alimentos.
RDC 240/2018: alterou a RDC 27/2010. Dispõe sobre as categorias de alimentos e embalagens isentos e com obrigatoriedade de registro sanitário.
RDC 239/2018: estabelece os aditivos alimentares e coadjuvantes de tecnologia autorizados para uso em suplementos alimentares.
   A categoria foi criada com o objetivo de garantir o acesso da população a suplementos seguros e de qualidade, num contexto em que, por mais que houvesse avanços tecnológicos com a indústria, era preciso ajustes na própria legislação. Mesmo assim, os suplementos continuam a ser vendidos sem necessidade de prescrição, e o uso por conta própria não é visto com bons olhos por muitos especialistas.
    A Instrução Normativa também tem o objetivo de controlar e padronizar rigorosamente a rotulagem e minimizar a exposição de informações que possam induzir o consumidor ao erro. Esse rigor na declaração tem o objetivo de evitar extrapolações que possam ir além do que a evidência científica demonstra. Um suplemento também não pode alegar em suas propagandas que substitui ou é superior a alimentos comuns como frutas, verduras, carnes, leite etc. Exemplo: “este produto equivale a uma porção de brócolis” ou “uma dose equivale a um copo de leite”.

Discussão:
   Mas, por que é importante o questionamento sobre o uso indiscriminado dos suplementos alimentares e, em específico, sobre o sódio, fósforo e açúcar presentes nesses produtos?
   Segundo estudos, a população brasileira em específico já consome mais sódio e fósforo do que a recomendação diária, e também consome menos cálcio do que deveria. Isso porque sódio e fósforo estão presentes em praticamente todos os alimentos industrializados, já que a indústria de alimentos utiliza largamente o ácido fosfórico e seus derivados como agentes complexantes, antimicrobianos e estabilizadores de emulsão, assim como muitos aditivos industriais contêm sódio, como os conservantes por exemplo. 
   Para pacientes hipertensos, ainda mais da terceira idade a recomendação de ingestão diária de sódio é menor do que a de um indivíduo saudável, que é de 2000 mg/ dia, e por causa do equilíbrio Cálcio- Fósforo normal do nosso organismo, a ingestão excessiva de fósforo prejudica a disponibilidade de cálcio no sangue, porque o fósforo em excesso se acumula e se liga ao cálcio do sangue, diminuindo os seus níveis sanguíneos, levando as glândulas paratireoides começarem a captar o cálcio necessário nos ossos, tornando-os frágeis e sujeitos a fraturas, podendo levar à osteoporose, principalmente nessa população que já tem uma predisposição a essa condição. O cálcio e o fósforo ligados depositam-se nos vasos sanguíneos, aumentando o risco de doença cardíaca e de trombose cerebral, podendo também causar úlceras na pele e nódulos nas articulações. Além disso, em tratamentos dialíticos a restrição de fósforo é constantemente empregada quando há baixa eficiência do tratamento de remoção deste íon do organismo. 
   Em relação ao açúcar presente de diversas maneiras nos suplementos alimentares, os estudos sobre o consumo de açúcar pela população brasileira vai na mesma direção. Os brasileiros consomem 50% a mais de açúcar do que o recomendado, mas não somente dos açúcares encontrados naturalmente nos alimentos, como a frutose e a sacarose presentes nas frutas e a lactose presente no leite, mas dos que são extraídos da cana de açúcar, beterraba e milho por exemplo, os chamados “açúcares de adição”, e que são adicionados nos alimentos processados e ultraprocessados. Outro problema sobre o açúcar está na rotulagem, pois nem sempre é fácil identificar o açúcar presente nos alimentos industrializados, porque ele pode ser apresentado com diversos nomes, como açúcar invertido, néctar, xarope de malte ou de milho, dextrose, maltodextrina, entre outros.
   Apesar de dizer que é “zero adição de açúcares”, e que os açúcares contidos são provenientes dos próprios ingredientes, o Nutren Senior contém maltodextrina, um tipo de açúcar usado como aditivo alimentar, obtido a partir do amido de milho, da mandioca ou do arroz e com alto índice glicêmico, ou seja, que fornece quantidade elevada de calorias, sendo então totalmente inadequado para indivíduos diabéticos que devem reduzir sua ingestão de açúcar para manter sua glicemia controlada. 

Conclusão:
   O Nutren Senior está de acordo com a legislação imposta aos suplementos já que todos os seus constituintes são permitidos e estão dentro dos limites mínimos e máximos. A questão aqui é se esses elementos, sódio, fósforo e maltodextrina (açúcar), deveriam estar contidos em qualquer suplemento, principalmente os direcionados para a terceira idade, já que são consumidos em abundância no regime alimentar da população brasileira, como foi exposto. Existe uma real necessidade de suplementação dos mesmos? Há uma baixa oferta de produtos e alimentos que os contém? 
   Isso nos leva a um segundo questionamento: Que prejuízos o uso indiscriminado de suplementos pode acarretar, principalmente aos idosos que apresentam doenças crônicas como pressão alta, diabetes e osteoporose? Que medidas podem ser tomadas para que os consumidores estejam mais cientes de suas reais necessidades e dos cuidados que o consumo deste produto requer?
   Antes de considerar uma suplementação, o recomendado é a realização de um cálculo nutricional por um profissional qualificado, para verificar quanto dos macro e micronutrientes já vem da dieta e tentar modificá- la, se necessário, para um consumo adequado, antes de partir para a suplementação. Assim, os riscos associados diminuem muito.
   Em relação a presença de maltodextrina no Nutren Senior, apesar do produto dizer que é “zero adição de açúcares”, o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) consultou a Anvisa sobre essa mesma situação por causa de um outro produto, e a resposta foi que segundo as normas da agência, embasadas em evidências técnico-científicas, a maltodextrina, por ser um polissacarídeo, não é considerada açúcar, porque possui uma estrutura química com grau de polimerização igual ou maior que 10, enquanto açúcares são carboidratos com grau de polimerização de no máximo 2 (os efeitos metabólicos e fisiológicos dos carboidratos são, em parte, definidos pelo grau de polimerização). Ainda segundo a Anvisa, os açúcares que fazem mal à saúde são os mono e os dissacarídeos. Assim, apesar dos problemas que a maltodextrina pode causar, a afirmação “zero adição de açúcar” é permitida nas embalagens.
   Isso mostra que a regulamentação ainda tem deficiências e que precisa ser aperfeiçoada, para evitar a propaganda de informações que podem não ser enganosas segundo as normas, mas confusas para os consumidores, que muitas vezes são leigos, levando- os a comprar e consumir algo indesejado. Além disso, uma medida adequada de regulação para restringir o acesso a esses produtos,  seria pela exigência de receita médica ou de um profissional de nutrição para a compra, sendo uma forma de evitar o uso por conta própria.

Referências:
Nutren Senior. [s. d.]. Página Inicial/ Nutren Senior/ Nossos Produtos/ Nutren Senior em Pó com sabor. Disponível em: <https://www.nutren.com.br/senior/nutren-senior/nossos-produtos/nutren-senior-po-sabor>. Acesso em: 20 de set. de 2020. 

Idec. Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, Mar./ Abr. de 2018. Home > Revistas > Edição 217. Disponível em: <https://idec.org.br/materia/gato-por-lebre-0>. Acesso em: 20 de set. de 2020.

Idec. Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, Maio/ Jun. de 2018. Home > Revistas > Edição 218. Disponível em: <https://idec.org.br/materia/confira-os-principais-temas-e-orientacoes-de-consumo-da-edicao-218>. Acesso em: 20 de set. de 2020.

ANVISA. gov.br, 2020. Suplementos alimentares. Disponível em: <https://www.gov.br/anvisa/pt-br/acessoainformacao/perguntasfrequentes/alimentos/suplementos-alimentares>. Acesso em: 20 de set. de 2020.

BASSETTE, Fernanda. Está na hora de tratarmos o açúcar como lidamos com o tabaco?. BBC News Brasil, São Paulo, 21 de jul. de 2019. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/geral-48959819>. Acesso em: 20 de set. de 2020.

LER o rótulo dos produtos ajuda a identificar o açúcar oculto nos alimentos. G1, São Paulo, 07 de set. de 2018. Disponível em: <https://g1.globo.com/bemestar/noticia/2018/09/07/ler-o-rotulo-dos-produtos-ajuda-a-identificar-o-acucar-oculto-nos-alimentos.ghtml>. Acesso em: 20 de set. de 2020.

O QUE são suplementos alimentares: para quem, quando e por quê. Veja Saúde, 2019. Disponível em: <https://saude.abril.com.br/alimentacao/suplementos-alimentares-para-quem-quando-e-por-que/>. Acesso em: 20 de set. de 2020.

UMA nova era para os suplementos alimentares. Veja Saúde, 2020. Disponível em: <https://saude.abril.com.br/blog/com-a-palavra/uma-nova-era-para-os-suplementos-alimentares/>. Acesso em: 20 de set. de 2020.

BRASIL. Instrução normativa - IN n° 28, de 26 de Julho de 2018. Estabelece as listas de constituintes, de limites de uso, de alegações e de rotulagem complementar dos suplementos alimentares.

BRASIL. Resolução da Diretoria Colegiada - RDC nº 243, de 26 de Julho de 2018. Dispõe sobre os requisitos sanitários dos suplementos alimentares.

BRASIL. Resolução da Diretoria Colegiada - RDC nº 239, de 26 de Julho de 2018. Estabelece os aditivos alimentares e coadjuvantes de tecnologia autorizados para uso em suplementos alimentares.

BRASIL. Suplementos alimentares: Documento de base para discussão regulatória, Junho de 2017. Apresenta um resumo dos principais marcos da proposta de regulamentação dos suplementos alimentares, subtema da Agenda Regulatória. 

ARAUJO, M. C. et al. Consumo de macronutrientes e ingestão inadequada de micronutrientes em adultos. Revista Saúde Pública, 2013. Disponível em: <www.scielo.br/rsp>. Acesso em: 20 de set. de 2020. 

EQUILÍBRIO cálcio- fósforo. Associação Portuguesa de Insuficientes Renais, 2016. Disponível em: <https://www.apir.org.pt/wp-content/uploads/2017/04/Equil%C3%ADbrio-C%C3%A1lcio-F%C3%B3sforo.pdf>. Acesso em: 20 de set. de 2020. 





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