Algumas pessoas dizem ser viciadas em Coca-Cola. Mas isso realmente é possível?
Descrição do produto
A Coca-Cola sabor original contém
água gaseificada, açúcar, extrato de noz de cola, cafeína, corante caramelo IV,
acidulante ácido fosfórico e aroma natural. Cada 200ml contém 85kcal e 10mg de
sódio. E é descrita, por seu fabricante, como um refrigerante de sabor único e
refrescante, vendido em mais de 200 países e considerado uma das maiores marcas
do mundo.
Uma matéria
realizada em 2018 pelo site Gazeta do Povo informou sobre o caso de uma jovem
de 18 anos que foi hospitalizada com uma infecção agravada devido a ingestão
diária de 8,4 litros de Coca-Cola. Há um artigo publicado em 2016 que reporta o
caso de uma mulher de 27 anos que sofreu uma intoxicação após o consumo de 4L
de Coca-Cola em um mesmo dia, não sendo um consumo crônico, sendo relacionado a
intoxicação por cafeína (ITAMAR et al, 2016). Além disso, também há um artigo
publicado em 2012, relatando o caso de uma mulher de 40 anos com depressão e
que teve a dependência em coca-cola diagnosticada, sendo a dependência
relacionada à cafeína (KROMANN; NIELSEN, 2012).
Fundamentos bromatológicos
A cafeína é uma substância
derivada das xantinas. As xantinas potencializam diferentes ações do Sistema
Nervoso Central devido à sua ação estimulante, que produz um estado de alerta
de curta duração, sendo a cafeína o estimulante mais utilizado.
A cafeína possui uma estrutura molecular
muito semelhante à adenosina, que é um importante neurotransmissor responsável
por indicar ao cérebro quando estamos cansados e precisamos dormir. Por sua
estrutura ser semelhante, a cafeína se liga aos receptores de adenosina diminuindo
essa indicação ao cérebro, então ainda estamos cansados, mas não sentimos. A
cafeína também interfere na regulação da dopamina, neurotransmissor relacionado
ao bem estar, aumentando sua quantidade. Por fim, a adenosina que não conseguiu
se ligar aos seus receptores, começa a circular e estimula a liberação de
adrenalina, diminuindo ainda mais o sono.
O fabricante informa que há 35mg de cafeína em uma lata de 350mL de Coca-Cola original (em seu site, pois essa informação não está presente no rótulo). O FDA coloca o valor de 400mg como quantidade recomendada de cafeína para adultos saudáveis, correspondendo a 11 latas de Coca-Cola 350mL (3,8 litros). Além disso, foi lançado a Coca-Cola Plus Café Expresso com 31mg de cafeína em 220mL, sendo necessário o consumo de 13 latas de Coca-Cola Plus Café Expresso (2,8 litros) para ultrapassar o valor máximo recomendado pelo FDA.
Além disso, no rótulo acima é
apresentado que uma lata de 350mL de Coca-Cola original contém 37g de açúcares
(sem especificar o tipo de açúcar). Entretanto, a recomendação atual da OMS
quanto ao consumo diário de açúcar é que não ultrapasse 10% das calorias
ingeridas diariamente, em uma dieta saudável (cerca de 50g de açúcar por dia).
Deste modo, apenas uma lata de coca-cola original de 350mL já ultrapassa a
metade do valor recomendado de açúcares pela OMS.
Legislação
Uma lata de Coca-Cola possui 37 gramas de
açúcar em 350mL, isso corresponde a 10,5 gramas de açúcar em 100mL e, com isso,
a bebida entra na classificação de ALIMENTO COM QUANTIDADE ELEVADA DE AÇÚCAR
pela RDC 24 de 2010.
Não existe uma restrição à
quantidade de açúcar que pode ser adicionada neste produto e a RDC 360 de 2003
apenas dispõe que os valores de açúcar devem ser expressos em % de valor
diário, o que é feito no rótulo do refrigerante. Entretanto, a RDC 359 de 2003
dispõe que a porção para a rotulagem de Bebidas não alcoólicas seja de 200mL,
entretanto a rotulagem de uma lata de Coca-Cola é realizada em porção de 350mL.
Em relação a
quantidade de cafeína presente em uma lata de 350mL de Coca-Cola original, esse
valor é de 35mg de cafeína, sendo 10mg/100mL. Além disso, a Coca-Cola Plus Café
Expresso possui 14mg/100mL aproximadamente. Pela RDC 273 de 2005, a quantidade
máxima de café permitida em um produto é de 35mg/100mL e, portanto, os
refrigerantes estão dentro do regulamento permitido.
Discussão
Não é raro escutar pessoas
afirmando que são viciadas em coca-cola, o consumo de refrigerantes de maneira
geral vem aumentando. Dados do Instituto de Pesquisa de Mercado Euromonitor
International mostram que a média individual por ano foi de 91,9 litros em
2018, em comparação com 84,1 litros em 2013. E, além disso, o Brasil se
encontra na lista dos 10 países que mais consomem esse tipo de bebida.
O açúcar e a cafeína podem gerar
condições que propiciam a dependência em Coca-Cola. Isso ao considerar que já
há uma condição denominada “Dependência em glicose” que seria o “vício”
em açúcar que possui como mecanismos neurológicos: Alterações na ligação ao
receptor de dopamina e opióides endógenos
e liberação de dopamina e acetilcolina pelo
sistema de recompensa causando um desequilíbrio.
Já a cafeína é a substância
psicoativa mais consumida mundialmente e já vem sido associada com síndromes
psiquiátricas como desordem do sono induzida por cafeína, desordem de ansiedade
e a própria dependência. Uma ingestão diária de cafeína de apenas 100mg (1
litro de Coca-cola ou 1 copo de café) pode resultar em dependência e gerar
sintomas como a dor de cabeça, tontura, mudança de humor, dificuldade de
concentração e depressão (MEREDITH et al., 2013).
Conclusão
A partir do acima exposto, apenas
o consumo de uma lata de coca-cola de 350mL pode não ser suficiente para gerar
uma dependência. Entretanto, se esse consumo for aumentado para 3 latas, ou 1
litro, com o objetivo de utilizar a cafeína para se manter acordado, ou
associar o consumo de coca-cola com café, a dependência poderá ocorrer.
Vale ressaltar também, que a
marca de refrigerante não está infringindo nenhuma regulamentação quanto aos
níveis de açúcares e de cafeína presentes em sua bebida e nem quanto ao rótulo.
Porém, ao pensar no bem estar do consumidor, seria válido indicar a quantidade
de cafeína presente no rótulo para que o consumidor consiga avaliar seu consumo
diário dessa substância e prevenir o consumo de altas doses.
Referências Bibliográficas:
ALVARENGA, I. S. A.; OPAS/OMS Brasil - OMS recomenda que os países reduzam o consumo de açúcar entre adultos e crianças | OPAS/OMS. Disponível em: <https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=4783:oms-recomenda-que-os-paises-reduzam-o-consumo-de-acucar-entre-adultos-e-criancas&Itemid=820>. Acesso em: 2 out. 2020.
Brasileiros estão entre os 10 maiores consumidores globais de refrigerantes, vilões da saúde. BBC News Brasil. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-47806485. Acesso em 02 de outubro de 2020.
Coca-Cola Original. Disponível em: <https://www.cocacolabrasil.com.br/marcas/coca-cola/coca-cola>. Acesso em: 2 out. 2020.
KROMANN, C. B.; NIELSEN, C. T. A case of cola dependency in a woman with recurrent depression. BMC research notes, v. 5, p. 692, 21 dez. 2012.
LOVE, I. Y.; PERL, S.; RAPOPORT, M. J. A Rare Case of Caffeine Storm due to Excessive Coca-Cola Consumption. The Israel Medical Association journal: IMAJ, v. 18, n. 6, p. 366–367, jun. 2016.
MEREDITH,
S. E. et al. Caffeine Use Disorder: A Comprehensive Review and Research Agenda.
Journal of Caffeine Research, v. 3, n. 3, p. 114–130, set. 2013.
Qual é a
quantidade de cafeína em uma Coca-Cola? Disponível em: <https://www.cocacolabrasil.com.br/nos-respondemos/qual-e-a-quantidade-de-cafeina-em-uma-coca-cola>. Acesso em: 2
out. 2020.
Refrigerante causa dependência química e psicológica e afeta o fígado. Disponível em: <https://www.gazetadopovo.com.br/viver-bem/saude-e-bem-estar/refrigerante-vicia-causa-dependencia/>. Acesso em: 2 out. 2020.
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