Apresentação

Espaço para a apresentação e análise de estudos e pesquisas de alunos da UFRJ, resultantes da adoção do Método de Educação Tutorial, com o objetivo de difundir informações e orientações sobre Química, Toxicologia e Tecnologia de Alimentos.

O Blog também é parte das atividades do LabConsS - Laboratório de Vida Urbana, Consumo & Saúde, criado e operado pelo Grupo PET-SESu/Farmácia & Saúde Pública da UFRJ.Nesse contexto, quando se fala em Química e Tecnologia de Alimentos, se privilegia um olhar "Farmacêutico", um olhar "Sanitário", um olhar socialmente orientado e oriundo do universo do "Consumerismo e Saúde", em vez de apenas um reducionista Olhar Tecnológico.

sábado, 31 de outubro de 2020

Coca-cola causa dependência?




 Algumas pessoas dizem ser viciadas em Coca-Cola. Mas isso realmente é possível? 


Descrição do produto

A Coca-Cola sabor original contém água gaseificada, açúcar, extrato de noz de cola, cafeína, corante caramelo IV, acidulante ácido fosfórico e aroma natural. Cada 200ml contém 85kcal e 10mg de sódio. E é descrita, por seu fabricante, como um refrigerante de sabor único e refrescante, vendido em mais de 200 países e considerado uma das maiores marcas do mundo.

Uma matéria realizada em 2018 pelo site Gazeta do Povo informou sobre o caso de uma jovem de 18 anos que foi hospitalizada com uma infecção agravada devido a ingestão diária de 8,4 litros de Coca-Cola. Há um artigo publicado em 2016 que reporta o caso de uma mulher de 27 anos que sofreu uma intoxicação após o consumo de 4L de Coca-Cola em um mesmo dia, não sendo um consumo crônico, sendo relacionado a intoxicação por cafeína (ITAMAR et al, 2016). Além disso, também há um artigo publicado em 2012, relatando o caso de uma mulher de 40 anos com depressão e que teve a dependência em coca-cola diagnosticada, sendo a dependência relacionada à cafeína (KROMANN; NIELSEN, 2012).

 

Fundamentos bromatológicos

A cafeína é uma substância derivada das xantinas. As xantinas potencializam diferentes ações do Sistema Nervoso Central devido à sua ação estimulante, que produz um estado de alerta de curta duração, sendo a cafeína o estimulante mais utilizado.

A cafeína possui uma estrutura molecular muito semelhante à adenosina, que é um importante neurotransmissor responsável por indicar ao cérebro quando estamos cansados e precisamos dormir. Por sua estrutura ser semelhante, a cafeína se liga aos receptores de adenosina diminuindo essa indicação ao cérebro, então ainda estamos cansados, mas não sentimos. A cafeína também interfere na regulação da dopamina, neurotransmissor relacionado ao bem estar, aumentando sua quantidade. Por fim, a adenosina que não conseguiu se ligar aos seus receptores, começa a circular e estimula a liberação de adrenalina, diminuindo ainda mais o sono.

O fabricante informa que há 35mg de cafeína em uma lata de 350mL de Coca-Cola original (em seu site, pois essa informação não está presente no rótulo). O FDA coloca o valor de 400mg como quantidade recomendada de cafeína para adultos saudáveis, correspondendo a 11 latas de Coca-Cola 350mL (3,8 litros). Além disso, foi lançado a Coca-Cola Plus Café Expresso com 31mg de cafeína em 220mL, sendo necessário o consumo de 13 latas de Coca-Cola Plus Café Expresso (2,8 litros) para ultrapassar o valor máximo recomendado pelo FDA.

Além disso, no rótulo acima é apresentado que uma lata de 350mL de Coca-Cola original contém 37g de açúcares (sem especificar o tipo de açúcar). Entretanto, a recomendação atual da OMS quanto ao consumo diário de açúcar é que não ultrapasse 10% das calorias ingeridas diariamente, em uma dieta saudável (cerca de 50g de açúcar por dia). Deste modo, apenas uma lata de coca-cola original de 350mL já ultrapassa a metade do valor recomendado de açúcares pela OMS.

 

Legislação

 Uma lata de Coca-Cola possui 37 gramas de açúcar em 350mL, isso corresponde a 10,5 gramas de açúcar em 100mL e, com isso, a bebida entra na classificação de ALIMENTO COM QUANTIDADE ELEVADA DE AÇÚCAR pela RDC 24 de 2010.

Não existe uma restrição à quantidade de açúcar que pode ser adicionada neste produto e a RDC 360 de 2003 apenas dispõe que os valores de açúcar devem ser expressos em % de valor diário, o que é feito no rótulo do refrigerante. Entretanto, a RDC 359 de 2003 dispõe que a porção para a rotulagem de Bebidas não alcoólicas seja de 200mL, entretanto a rotulagem de uma lata de Coca-Cola é realizada em porção de 350mL.

Em relação a quantidade de cafeína presente em uma lata de 350mL de Coca-Cola original, esse valor é de 35mg de cafeína, sendo 10mg/100mL. Além disso, a Coca-Cola Plus Café Expresso possui 14mg/100mL aproximadamente. Pela RDC 273 de 2005, a quantidade máxima de café permitida em um produto é de 35mg/100mL e, portanto, os refrigerantes estão dentro do regulamento permitido.

 

Discussão

Não é raro escutar pessoas afirmando que são viciadas em coca-cola, o consumo de refrigerantes de maneira geral vem aumentando. Dados do Instituto de Pesquisa de Mercado Euromonitor International mostram que a média individual por ano foi de 91,9 litros em 2018, em comparação com 84,1 litros em 2013. E, além disso, o Brasil se encontra na lista dos 10 países que mais consomem esse tipo de bebida.

O açúcar e a cafeína podem gerar condições que propiciam a dependência em Coca-Cola. Isso ao considerar que já há uma condição denominada “Dependência em glicose” que seria o “vício” em açúcar que possui como mecanismos neurológicos: Alterações na ligação ao receptor de dopamina e opióides endógenos  e liberação de dopamina e acetilcolina pelo sistema de recompensa causando um desequilíbrio.

Já a cafeína é a substância psicoativa mais consumida mundialmente e já vem sido associada com síndromes psiquiátricas como desordem do sono induzida por cafeína, desordem de ansiedade e a própria dependência. Uma ingestão diária de cafeína de apenas 100mg (1 litro de Coca-cola ou 1 copo de café) pode resultar em dependência e gerar sintomas como a dor de cabeça, tontura, mudança de humor, dificuldade de concentração e depressão (MEREDITH et al., 2013).

 

Conclusão

A partir do acima exposto, apenas o consumo de uma lata de coca-cola de 350mL pode não ser suficiente para gerar uma dependência. Entretanto, se esse consumo for aumentado para 3 latas, ou 1 litro, com o objetivo de utilizar a cafeína para se manter acordado, ou associar o consumo de coca-cola com café, a dependência poderá ocorrer.

Vale ressaltar também, que a marca de refrigerante não está infringindo nenhuma regulamentação quanto aos níveis de açúcares e de cafeína presentes em sua bebida e nem quanto ao rótulo. Porém, ao pensar no bem estar do consumidor, seria válido indicar a quantidade de cafeína presente no rótulo para que o consumidor consiga avaliar seu consumo diário dessa substância e prevenir o consumo de altas doses.


Referências Bibliográficas:

ALVARENGA, I. S. A.; OPAS/OMS Brasil - OMS recomenda que os países reduzam o consumo de açúcar entre adultos e crianças | OPAS/OMS. Disponível em: <https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=4783:oms-recomenda-que-os-paises-reduzam-o-consumo-de-acucar-entre-adultos-e-criancas&Itemid=820>. Acesso em: 2 out. 2020.

Brasileiros estão entre os 10 maiores consumidores globais de refrigerantes, vilões da saúde. BBC News Brasil. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-47806485. Acesso em 02 de outubro de 2020.

Coca-Cola Original. Disponível em: <https://www.cocacolabrasil.com.br/marcas/coca-cola/coca-cola>. Acesso em: 2 out. 2020.

KROMANN, C. B.; NIELSEN, C. T. A case of cola dependency in a woman with recurrent depression. BMC research notes, v. 5, p. 692, 21 dez. 2012.

LOVE, I. Y.; PERL, S.; RAPOPORT, M. J. A Rare Case of Caffeine Storm due to Excessive Coca-Cola Consumption. The Israel Medical Association journal: IMAJ, v. 18, n. 6, p. 366–367, jun. 2016.

MEREDITH, S. E. et al. Caffeine Use Disorder: A Comprehensive Review and Research Agenda. Journal of Caffeine Research, v. 3, n. 3, p. 114–130, set. 2013. 

Qual é a quantidade de cafeína em uma Coca-Cola? Disponível em: <https://www.cocacolabrasil.com.br/nos-respondemos/qual-e-a-quantidade-de-cafeina-em-uma-coca-cola>. Acesso em: 2 out. 2020.

Refrigerante causa dependência química e psicológica e afeta o fígado. Disponível em: <https://www.gazetadopovo.com.br/viver-bem/saude-e-bem-estar/refrigerante-vicia-causa-dependencia/>. Acesso em: 2 out. 2020.

 


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