A proposta que o produto a ser analisado apresenta é uma suplementação de vitamina C através das balas de gelatina da marca fini da linha “bem-estar” voltada para um público mais infantil como sugere a embalagem. Mas será que a bala fini de vitamina C é a melhor escolha para uma fonte alternativa dessa vitamina para crianças?
Descrição do produto:
O produto em questão é apresentado por uma embalagem super colorida e chamativa com personagens de filmes infantis com 18 g de balas de gelatina “ricas em vitamina C”, tem como ingredientes: xarope de glicose, açúcar demerara, água, gelatina, concentrado vegetal de maçã, cártamo e limão, ácido l-ascórbico (vitamina C), óleo vegetal de palma, acidulantes ácido cítrico e ácido láctico, aromatizante, antioxidante lactato de sódio e glaceantes cera de carnaúba e cera de abelha. É também livre de glúten.
Sua tabela nutricional que encontra-se abaixo é apresentada no verso da embalagem do produto:
Tabela 1: Informações nutricionais Bala Fini Vitamina C Bananas Minions 18g
Informação Nutricional | ||
Quantidade por porção | Porção de 18g (1 pacote) | % VD (*) |
Valor energético/ Calorias | 65 kcal=273 kJ | 3 |
Carboidratos | 15 g | 3 |
Proteínas | 1,2 g | 2 |
Sódio | 12 g | 1 |
Vitamina C | 30 g | 67 |
“Não contém quantidade significativa de gorduras totais, gorduras saturadas, gorduras trans e fibra alimentar”.
(*) % Valores Diários com base em uma dieta de 2000 kcal ou 8400 kJ. Seus valores diários podem ser maiores ou menores dependendo de suas necessidades energéticas.
Legislação:
De acordo com a RDC 23/2000 (Anexo 1) da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), produtos como balas, bombons e similares são alimentos dispensados da obrigatoriedade de registro. Feito as buscas sobre o produto em questão, não foi encontrado nada relacionado a registros, mas como não é obrigatório, ele se encontra dentro da RDC acima.
A rotulagem nutricional de alimentos embalados no Brasil é regulamentada pela RDC nº 360/03, que determina que informações como nome do produto, lista de ingredientes, quantidade apresentada em gramas ou mililitros, prazo de validade do produto e identificação da origem e também a declaração das propriedades nutricionais (Informação nutricional complementar).
A RDC 54/2012, desde 1º de janeiro de 2014, tem que os rótulos de todos os alimentos produzidos no Brasil devem estar adequados à Resolução, que alterou a forma de uso de termos como light, baixo, rico, fonte, não contém, entre outros. No caso de vitaminas e minerais, somente podem ser objeto de INC aqueles para os quais esteja estabelecido um valor de Ingestão Diária Recomendada na regulamentação MERCOSUL correspondente.
Os termos autorizados para a informação nutricional complementar (declarações de propriedades nutricionais) para altos conteúdos são: alto conteúdo, rico em..., alto teor... Tanto os componentes “outros minerais” e “vitaminas” farão parte do quadro nutricional obrigatoriamente quando se fizer uma declaração de propriedades nutricionais ou outra declaração que faça referência à estes nutrientes. Podem ser declarados vitaminas e minerais, optativamente, quando estiverem presentes em quantidade igual ou maior a 5% da Ingestão Diária Recomendada (IDR) por porção indicada no rótulo.
De acordo com a RDC 360/03, o produto em questão possui a informação nutricional no modelo vertical “A” de uma tabela de declaração simplificada, pois alguns dos componentes ou não estão presentes ou estão presentes em quantidades mínimas que são consideradas não significativas para a alimentação e por isso vem com o dizer “Não contém quantidade significativa de gorduras totais, gorduras saturadas, gorduras trans e fibra alimentar”.
Além disso, é possível observar a utilização da frase “% Valores Diários com base em uma dieta de 2000 kcal ou 8400 kJ. Seus valores diários podem ser maiores ou menores dependendo de suas necessidades energéticas.” e a advertência de “Não Contêm Glúten” também de acordo com a legislação.
De acordo com a RDC 359/03, a informação nutricional deve corresponder ao valor encontrado em uma porção do alimento e neste caso a porção corresponde a um pacote inteiro da bala, ou seja 1 porção equivale a 18 g da bala que é igual a 1 pacote.
A RDC 54/12, declara que vitaminas farão parte do quadro nutricional obrigatoriamente, quando se fizer uma declaração de propriedades nutricionais ou outra declaração que faça referência à estes nutrientes, e no produto em questão vem escrito na parte frontal de sua embalagem “rico em vitamina C”. As vitaminas e minerais devem ser declarados sempre e quando estiverem presentes em quantidade igual ou superior a 5% da IDR por porção indicada no rótulo. Sendo assim o produto também está de acordo com esta RDC.
Fundamentos Bromatológicos e Discussão:
Este é um produto a base de gelatina como o nome já sugere, a gelatina é um derivado bovino e tem a habilidade de formar géis estáveis e reversíveis. É produzida em grande escala e a preços relativamente baixos e é amplamente utilizada na indústria de alimentos, cosméticos e fármacos.
A fortificação de alimentos com vitaminas requer cuidados tecnológicos, é preciso garantir sua presença nas várias etapas do processamento, assim como durante toda a vida de prateleira.
A vitamina C é uma vitamina hidrossolúvel, ou seja ela se dissolve em meio aquoso, garantida pela presença dos grupos OH (hidroxila) na molécula. Devido a essa facilidade em se dissolver, as vitaminas hidrossolúveis são rapidamente eliminadas pelo organismo através da urina. Não somos capazes de absorver grande quantidade destas vitaminas, então precisamos consumi-las com mais frequência para que elas não faltem em nosso corpo.
Figura 2: Estrutura química do ácido ascórbico (vitamina C).
Porém essas vitaminas apresentam grande instabilidade, o que significa que as balas e gomas podem perder potência ao longo do tempo e isso faz com que alguns fabricantes produzam esses “alimentos” com uma sobre dosagem do ativo (no caso a vitamina C) para assegurar os níveis requeridos pela legislação e declarados na embalagem.
Embora isso possa parecer um bom negócio, a ingesta excessiva de alguns nutrientes pode causar riscos à saúde do consumidor, pois nada em excesso é saudável.
Observando a lista de ingredientes, percebe-se a presença de xarope de glicose e 15 g de açúcar. Ou seja, é como se fosse uma bala comum com grandes quantidades de açúcar, o que não é nada saudável, para ser comercializado numa linha de “bem estar” que tem como objetivo a suplementação de vitamina C.
A dieta humana típica contém a vitamina C (ascorbato) e sua forma oxidada (ácido desidroascórbico, DHAA). O DHAA adicional é produzido pela oxidação no lúmen do trato gastrointestinal.
Na membrana apical da intestino, onde há a absorção da vitamina C, contém um cotransportador de Na + -ascorbato. O transportador de Na + -glicose, SGLT1, permite a entrada rápida de glicose, que é então liberada no sangue cruzando a membrana basolateral via GLUT2. Um aumento na concentração de glicose no enterócito inibe o carreador ascorbato na membrana apical. Dentro do enterócito, o DHAA é reduzido a ascorbato, que pode deixar a célula pela membrana basal por um mecanismo desconhecido. Ou seja, a glicose (açúcar), inibe a absorção da vitamina C pela célula do intestino.
Figura 3: Modelo de transporte de vitamina C no enterócito.
Conclusão:
Tendo isso dito, além da instabilidade que as vitaminas apresentam na bala de gelatina e a sobredosagem de açúcar no produto, tendo como resultado a redução de absorção da vitamina C devida a presença da glicose no enterócito, pode-se concluir que a bala de vitamina C da linha “bem estar” da marca fini, não é a melhor opção de suplementação de vitamina C para as crianças.
Referências:
· JACKSON, E.B.; LEES, R., eds. Sugar Confectionary and Chocolate Manufacture. Saint Edmundsbury: Press Limited, 1973. 379 p.
· O’BRIEN, A.; ROBERTON, D. Vitamins fortification of foods (specific applications). In: OTTAWAY, P.B., ed. The Technology of Vitamins in Food. London, New York: Blackie Academic and Professional, 1993. cap. 6, p. 114-142.
· Fini Store, Disponível em: < https://www.finistore.com.br/linha-bem-estar-vitaminac-minions-18g/p> Acesso em 21/09/2020.
· KYRTOPOULOS, S. A., el al. (1991) Studies in gastric carcinogenesis V. The effects of ascorbic acid on N-nitroso compound formation in human gastric juice in vivo and in vitro. Carcinogenesis12:1371–1376.
· Codex Alimentarius Commission. Guidelines for Vitamin and Mineral Food Supplements (CAC/GL 55 - 2005), p. 1-3, 2005.
· MALO C., WILSON J. X. Glucose Modulates Vitamin C Transport in Adult Human Small Intestinal Brush Border Membrane Vesicles, The Journal of Nutrition, Volume 130, Issue 1, January 2000, Pages 63–69.
· FAO/OMS. Human Vitamin and Mineral Requirements. In: Report 7ª Joint FAO/OMS Expert Consultation. Bangkok, Thailand, 2001.
· CAC. Guidelines for Vitamin and Mineral Food Supplements (CAC/GL 55 - 2005), p. 1- 3, 2005.
· Brasil. Resolução RDC n. 54, de 12 de novembro de 2012 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde. Regulamento técnico sobre rotulagem nutricional de alimentos embalados. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 13 nov. 2012.
· Brasil. Resolução RDC N° 18, de 30 de abril de 1999 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde. Regulamento técnico sobre rotulagem nutricional de alimentos embalados. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 03 maio 1999.
· Brasil. Resolução RDC n°360, de 23 de dezembro de 2003 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde. Regulamento técnico sobre rotulagem nutricional de alimentos embalados. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 23 dez. 2003.
· Brasil. Resolução RDC n°359, de 23 de dezembro de 2003 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde. Regulamento técnico de porções de alimentos embalados para fins de rotulagem nutricional. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 23 dez. 2003.
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