Apresentação

Espaço para a apresentação e análise de estudos e pesquisas de alunos da UFRJ, resultantes da adoção do Método de Educação Tutorial, com o objetivo de difundir informações e orientações sobre Química, Toxicologia e Tecnologia de Alimentos.

O Blog também é parte das atividades do LabConsS - Laboratório de Vida Urbana, Consumo & Saúde, criado e operado pelo Grupo PET-SESu/Farmácia & Saúde Pública da UFRJ.Nesse contexto, quando se fala em Química e Tecnologia de Alimentos, se privilegia um olhar "Farmacêutico", um olhar "Sanitário", um olhar socialmente orientado e oriundo do universo do "Consumerismo e Saúde", em vez de apenas um reducionista Olhar Tecnológico.

quinta-feira, 29 de outubro de 2020

Farinha de laranja: Não se vive só de suco


 Ao longo da vida, já pensou em quantos “restos” de laranja você já jogou no lixo após preparar um suco? Afinal, estaríamos perdendo algo com esse hábito?

Descrição

     As farinhas de laranja são produzidas a partir da trituração das partes externas do fruto, constituídas pelo flavedo e/ou albedo.  O consumo é indicado como forma de aproveitamento integral dos benefícios da fruta, podendo ser misturadas em refeições ou adicionadas em receitas. O principal benefício apresentado pelos vendedores está relacionado a riqueza de fibras, com a propriedade de gerar saciedade e auxiliar na perda de peso, sendo uma característica que desperta grande interesse da população; outra característica bastante anunciada é que a farinha de laranja é fonte de ácido ascórbico (vitamina C), contendo maiores quantidades do que no próprio suco, o que contribui ainda mais para o bem-estar, sistema imunológico, desaceleração do envelhecimento precoce, entre outras propriedades associadas à vitamina. Além disso, nas cascas da laranja (e consequentemente nas farinhas) estão presentes moléculas antioxidantes e anti-inflamatórias que exercem uma diversidade de benefícios à saúde, sendo muito associadas à prevenção de diferentes doenças crônicas.

Fundamentos Bromatológicos

        Após os carboidratos, as fibras alimentares são os principais componentes das cascas e são encontradas, majoritariamente, no albedo (parte branca). A pectina é a principal fibra da casca da laranja. Por ser uma fibra solúvel, a pectina forma um gel no trato gastrointestinal, promovendo a retenção carboidratos e lipídeos como o colesterol, e assim, reduz a absorção dessas moléculas no intestino. As cascas também são fontes de sais minerais, sendo demonstrado que em 100 g da farinha de laranja são oferecidos 68% de cálcio, 83% de magnésio, 35% de ferro e 10% de zinco dos valores de ingestão diária recomendada (SILVA, 2016).
        Além de concentrar o óleo essencial rico em D-limoneno, o flavedo (parte colorida) oferece antioxidantes como os carotenoides, a vitamina C e compostos fenólicos como as flavononas hesperidina e naringenina. Apesar dessas substâncias antioxidantes estarem presentes na fruta inteira, quanto mais interno for o compartimento, menor é a quantidade presente, consequentemente, o suco apresenta uma oferta inferior quando comparado ao albedo e flavedo, sendo justificado pelo fato dessas substâncias protegerem o fruto da radiação ultravioleta proveniente do Sol.
 
Legislação

     As farinhas de laranja, de acordo com a RDC n° 272 de 2005, podem ser definidas como produtos de frutas, que são todos aqueles elaborados a partir da fruta inteira, de partes, ou de sementes, e que são obtidos por processos tecnológicos considerados seguros para a produção de alimentos. Em lojas de produtos naturais, por se tratar de um produto a granel, não necessita, obrigatoriamente, apresentar informação nutricional no rótulo, ao contrário do que é exigido para alimentos embalados, de acordo com a RDC n° 360 de 2003. Mas, caso haja interesse do fabricante ou vendedor, as informações nutricionais podem ser adicionadas no produto, através de etiquetas, folhetos, ou outros formatos que sejam úteis para informar o consumidor, desde que sejam seguidas as exigências presentes na RDC.
    Segundo a portaria nº 27 de 1998 do Ministério da Saúde, para um produto ser denominado rico (alto teor) em fibras, ele deve apresentar no mínimo de 6 g fibra/ 100 g de produto. Nesse contexto, por ser bastante anunciado em sites a riqueza de fibras da farinha de laranja, através de dados científicos sobre a composição química, é possível observar que a farinha de laranja apresenta valores bastante superiores ao estabelecido na legislação, sendo, de fato, excelentes fontes de fibras, demonstrando que o termo anunciado “rico em” está completamente correto.
 
Discussão

    O suco de laranja é um dos mais consumidos no mundo. As toneladas de resíduos industriais do suco (casca e bagaço) são, principalmente, descartadas, enquanto uma pequena parcela é destinada à alimentação de ruminantes. O consumo de partes de frutas que diferem da polpa é prejudicado pela falta de conhecimento dos benefícios e pela dificuldade de realizar o consumo. Entretanto, as diversas substâncias, responsáveis pelas propriedades funcionais oferecidas na laranja e em outras frutas, não estão presentes, exclusivamente, nas polpas. Então, a farinha de laranja surge como uma alternativa prática para a inserção das cascas na alimentação, sendo muito interessante por ser um combo de fibras + antioxidantes.
    A casca da laranja, mais especificamente o albedo, é uma das principais fontes alimentares de pectina na natureza. Consumir, regularmente, fibras alimentares vai muito além de uma questão de perda de peso por estética ou melhora da função intestinal. Fibras, como a pectina, estão associadas a redução de processos inflamatórios e carcinogênicos no cólon, controle da glicemia e do colesterol, se mostrando muito importantes na prevenção de doenças cardiovasculares, diabetes, obesidade, e câncer de cólon.
        As flavononas, a vitamina C e os carotenoides presentes na casca atuam sequestrando radicais livres diretamente ou indiretamente, via indução de vias bioquímicas antioxidantes, presentes em diversas células, e assim, contribuem para o equilíbrio redox no ambiente celular. O estresse oxidativo é um importante fator associado ao desenvolvimento de doenças cardiovasculares e neurodegenerativas, além do câncer. Dentre as vitaminas, a C é a mais sensível a sofrer degradação durante processamento de alimentos. Embora esteja mais concentrada na casca de laranja do que no suco, durante a secagem das cascas sob altas temperaturas, que é necessário para evitar proliferação de microrganismos nas farinhas, uma parcela da vitamina C sofre degradação, podendo os teores se tornarem equivalentes aos do suco, entretanto, isso não descarta o fato das cascas continuarem sendo a principal fornecedora de vitamina C na laranja. Devido a degradação térmica parcial da vitamina C, as flavononas são as principais responsáveis pela propriedade antioxidante da farinha de laranja. No 1° Simpósio Internacional de Compostos Bioativos de Citrus e Benefícios a Saúde, realizado em 2018 na USP, as laranjas foram o grande destaque, tanto pelos vastos benefícios, mas também por serem responsáveis por 1/3 do consumo de flavononas pelos brasileiros.
     Diversas pesquisas vêm sendo realizadas no Brasil, o maior produtor de laranja do mundo, com o objetivo de fornecer uma aplicabilidade à farinha produzida a partir dos resíduos industriais da laranja, tornando claro que uma maior atenção, tanto da indústria como da população, deveria ser destinada a casca e ao albedo, por terem um grande potencial para melhorar o perfil alimentar dos brasileiros, o que ressalta as vantagens da reciclagem alimentar. Uma forma muito prática de utilizar as farinhas de laranja, adotada em alguns estudos científicos, é na produção de biscoitos, pães e bolos, ou até mesmo sorvetes, com o objetivo de produzir alimentos com menor teor de gorduras, maior teor de fibras e com ação antioxidante.
 
 Conclusão

        O aproveitamento integral das laranjas, a partir da farinha, se mostra como uma forma inteligente de utilizar as partes consideradas descartáveis de uma fruta altamente produzida e consumida no Brasil. Por ser rica em fibras, antioxidantes e sais minerais, a farinha de laranja (ou a casca não triturada) proporciona uma ótima opção para se adquirir uma alimentação mais saudável a partir da mesma fonte. O uso dos resíduos da laranja não é somente uma alternativa para as indústrias, também é possível “reciclar” laranjas em casa. Ao beber um suco de laranja, pense antes de jogar a casca e a espessa parte branca no lixo, e em como esse aproveitamento pode ser útil para a melhora do seu perfil alimentar e, consequentemente, da sua qualidade de vida. A disseminação dos benefícios das cascas de laranja contribui para que cada vez mais as frutas, principalmente as cítricas, sejam reconhecidas não somente pelas polpas.
 
Referências
 
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https://saude.abril.com.br/alimentacao/frutas-citricas-beneficios-laranja-limao/
 
https://www.unicamp.br/unicamp/ju/noticias/2018/11/22/residuos-da-laranja-rendem-extrato-para-protecao-


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