Apresentação

Espaço para a apresentação e análise de estudos e pesquisas de alunos da UFRJ, resultantes da adoção do Método de Educação Tutorial, com o objetivo de difundir informações e orientações sobre Química, Toxicologia e Tecnologia de Alimentos.

O Blog também é parte das atividades do LabConsS - Laboratório de Vida Urbana, Consumo & Saúde, criado e operado pelo Grupo PET-SESu/Farmácia & Saúde Pública da UFRJ.Nesse contexto, quando se fala em Química e Tecnologia de Alimentos, se privilegia um olhar "Farmacêutico", um olhar "Sanitário", um olhar socialmente orientado e oriundo do universo do "Consumerismo e Saúde", em vez de apenas um reducionista Olhar Tecnológico.

terça-feira, 27 de outubro de 2020

 Proteína texturizada de soja: pode ela substituir a carne vermelha?

Será que mesmo sem comer carne animal você estará ingerindo uma quantidade adequada de proteínas em suas refeições?

Descrição

 

As dietas vegetarianas e veganas estão ficando cada vez mais populares nos dias atuais, as quais se baseiam na exclusão de carne animal da dieta, ou de qualquer produto derivado da exploração animal, no caso da vegana.

Segundo o fabricante, a proteína texturizada de soja Camil é uma opção saudável para substituir a carne animal, possuindo boas quantidades de proteínas e ferro e sendo rica em fibras.

Entretanto, sabemos que as maiores fontes de proteína de dietas onívoras são de origem animal, tornando frequente a dúvida de se indivíduos veganos ingerem a quantidade necessária de aminoácidos essenciais (AAs que nosso corpo não é capaz de sintetizar) para atender as necessidades de seus organismos.

Neste trabalho veremos uma breve comparação de aminoácidos (AAs), digestibilidade e quantidade de proteínas em 100g, entre proteína texturizada de soja Camil e carne bovina desidratada.

 

Fundamentos Bromatológicos

Primeiramente, devemos entender que proteínas de diferentes matrizes tem diferentes valores biológicos e, portanto, sua qualidade irá variar de acordo com a sua composição (quantidade de aminoácidos em determinada porção), digestibilidade (capacidade do nosso organismo em digerir e absorver as proteínas de determinada matriz), biodisponibilidade de aminoácidos essenciais, ausência de toxicidade e de fatores antinutricionais (substâncias que interferem negativamente na absorção de nutrientes).

De forma geral, a comparação de proteínas pode ser feita através do score químico (compara-se o teor de aminoácidos de determinada fonte de proteínas com um padrão tido com referência) do aminoácido limitante (AA que está presente em menor proporção na matriz) corrigido pela digestibilidade da proteína (o quanto desse AA é absorvido), obtendo-se um valor que torna possível essa comparação;

Legislação

A RDC 269 de 2005 é a resolução que discorre sobre a ingestão diária recomendada de nutrientes e nela é recomendado o consumo de 50g de proteína/dia para indivíduos adultos, enquanto a OMS estabelece que a quantidade deve-se ser calculada, utilizando a razão de 133mg de nitrogênio por kg de peso do indivíduo por dia.

Já a RDC 54/2012 regulamenta as declarações de propriedades nutricionais de alimentos, definindo como alimento fonte de proteínas todo aquele que contenha pelo menos 6g de proteína e as quantidades mínimas de cada aminoácido essencial por porção de 100g, que para os AAs cisteína e metionina é de 22mg/g de ptn.

 

Discussão

  

Tomando-se então como base o IDR de 50g de proteína estabelecida pela RDC 269/2005, e a informação nutricional da proteína de soja texturizada Camil, que informa conter em uma porção de 50g a quantidade de 25g de proteína vegetal, podemos calcular a porcentagem equivalente, que corresponderia a 50% do valor recomendado, e tendo uma digestibilidade de 86%, conforme calculado por um estudo feito na universidade de Viçosa em 2005. Já a carne bovina desidratada, conforme esse mesmo estudo, possui 40,5g de proteína numa porção de 50g e uma digestibilidade de 92%. Portanto, em uma porção de 100g, a proteína texturizada de soja teria 43g de proteínas absorvíveis e a carne bovina desidratada teria 75g. Assim, apesar de não ter um teor proteico tão alto quanto a carne animal, a proteína texturizada de soja ainda tem elevadas quantidades de proteínas que são digeridas e absorvidas.

Entretanto, quando avaliamos a presença de aminoácidos essenciais, enquanto a carne bovina possui todos eles em quantidades suficientes para atender as necessidades de um organismo, a proteína texturizada de soja possui os aminoácidos sulfurados (metionina e cisteína) como limitantes (0,75mg/g de ptn), ou seja, eles se encontram presentes em baixas quantidades, com valores abaixo de seus IDRs. Assim, conforme estabelecido pela RDC 54/2012, apesar de ter um teor proteico relativamente alto, a proteína texturizada de soja não pode ser considerada um alimento “fonte de proteínas”, e por isso a Camil não faz tal alegação no rótulo.

 

Conclusão

Podemos concluir que apesar da proteína texturizada de soja conter boas quantidades de proteínas absorvíveis, ainda que inferior a quantidade presente na carne vermelha, ela não é considerada, por lei, uma fonte de proteínas pois não contém a quantidade mínima necessária de aminoácidos essenciais sulfurados, sendo necessário que seu consumo seja feito aliado a outra fonte proteica que contenha altas quantidades de metionina e cisteína, como por exemplo o arroz branco, afim de atender por completo as necessidades proteicas diárias de um indivíduo saudável.

 

Referências  Bibliográficas:

Institute of Medicine. 2005. Dietary Reference Intakes for Energy, Carbohydrate, Fiber, Fat, Fatty Acids, Cholesterol, Protein, and Amino Acids. Washington, DC: The National Academies Press.

PIRES, Christiano Vieira; OLIVEIRA, Maria Goreti de Almeida; ROSA, José César  and  COSTA, Neuza Maria Brunoro. Qualidade nutricional e escore químico de aminoácidos de diferentes fontes protéicas. Ciênc. Tecnol. Aliment. [online]. 2006, vol.26, n.1, pp.179-187.

RDC n° 360 de 23 de dezembro de 2003.

RDC n° 269 de 22 de setembro de 2005.

RDC n° 54 de 12 de novembro de 2012.

WHO, 2007. Protein and amino acid requirements in human nutrition: report of a joint FAO/WHO/UNU expert consultation, World Health Organisation, technical report series, no. 935

Um comentário:

  1. Ao ler o post e pesquisar um pouco sobre a proteína texturizada de soja acima mencionada, podemos encontrar algumas incoerências no produto. Primeiramente, segundo o próprio fabricante, o produto apresenta boas quantidades de ferro, porém não apresenta em seu rótulo a quantidade do mesmo. Como saberíamos então se o produto realmente tem uma quantidade boa de ferro? Como compararíamos com a quantidade de ferro da proteína de origem animal?
    Além disso, no site do fabricante, podemos ver a seguinte frase: “A soja é um alimento de origem vegetal que contém proteínas completas, também conhecidas como proteínas de alto valor biológico, pois contém todos os aminoácidos essenciais em quantidades e proporções ideais para atender às necessidades do organismo.” , isso não poderia induzir o consumidor ao erro? Por achar que está consumindo um produto que contem todos os aminoácidos essenciais, enquanto que na verdade, segundo o post, este produto carece da quantidade mínima de aminoácidos essenciais sulfurados? Não seria mais proveitoso aos consumidores, se fosse especificado pelo fabricante quais aminoácidos essenciais o produto possui? (Acredito que não seria do agrado dos fornecedores, pois poderiam perder uma parcela do mercado a partir do momento que fica explícito que não é um produto com 100% da quantidade de aminoácidos essenciais). Deveria existir uma legislação para tal?Estas são apenas algumas perguntas que deveríamos pensar, tendo em vista que produtos com publico algo vegetariano/vegano vem crescido muito recentemente.

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