O Isomil é uma infant fórmula hipoalergênica à base de proteína de soja, especialmente desenvolvida para recém-natos e crianças que apresentam sensibilidade ao leite de vaca, intolerância à lactose ou outras necessidades alimentares específicas. Mas será que essa modificação no produto que a princípio deveria ser similar ao leite materno traz algum prejuízo nutricional?
DESCRIÇÃO:
O papel da alimentação na infância, principalmente no primeiro ano de vida, é decisivo para a saúde e desenvolvimento físico e psíquico da criança, sendo os lactentes dependentes de um só alimento, o leite, para satisfazer suas necessidades nutricionais. O leite materno é o alimento adequado para recém-nascidos em razão de sua composição única, proporcionando vantagens nutricionais, imunológicas, psicosociais e econômicas (CALIL et al,1991a; GURMINI e VIEIRA, 2002). O uso de substitutos do leite humano tornou-se mais evidente no século XX com a industrialização, urbanização, incorporação da mulher no mercado de trabalho, descoberta das fórmulas de leite em pó (GURMINI e VIEIRA, 2002; VINAGRE et al), massiva propaganda de supervalorização desses produtos como equivalentes e apoio médico ao seu uso. Atualmente, estão disponíveis no mercado uma ampla variedade de fórmulas infantis, diferindo entre si quanto às suas indicações, fontes e teores de proteínas, carboidratos, lipídios e micronutrientes.
Porém, alguns lactentes apresentam intolerância à lactose e/ou alergia à proteína do leite, observada através de gases e desenvolvimento de problemas estomacais. Com o intuito de melhorar esse problema, foi criado o Isomil, uma formula infantil em pó com Ferro e a base de proteína isolada de soja, tendo como principais fontes de carboidratos o xarope de milho e o açúcar. O produto apresenta em seu rótulo uma imagem de um urso-bebê, que remete ao consumidor a ideia de infância.
FUNDAMENTOS BROMATOLÓGICOS:
Uma infant formula conceitualmente se apresenta como uma mimetização do leite humano. Os ingredientes contidos devem ser idênticos ou muito similares - não apenas em termos de identidade e qualidade, mas também de quantidade - àqueles todos que estão naturalmente presentes no leite materno. Logo, a fonte de carboidrato deveria ser predominantemente lactose, e a proteína não deveria ser caseína, mas sim lactoalbumina.
A infant fórmula em análise é uma fórmula derivada da soja. Estas são indicadas em casos de deficiência primária de lactase, galactosemia, alergia a proteína do leite de vaca (GURMINI e VIEIRA, 2002), além delactentes de famílias vegetarianas em que não se deseja o consumo de proteína animal (ARTAZCOZ, 2007). Apresentam composição semelhante às demais fórmulas, exceto pelo carboidrato e proteína. São compostas de proteína de soja refinada e aquecida para melhorar a digestibilidade protéica e a biodisponibilidade mineral. O zinco, magnésio, ferro e cobre apresentam uma absorção menor que a do leite materno e o de fórmulas com leite de vaca, possivelmente relacionado à presença de fitatos (GURMINI e VIEIRA, 2002; ARTAZCOZ, 2007). O uso de maltodextrina na formulação é indicativo que a mesma possui maior valor energético e sabor mais adocicado.
Estudos recentes não recomendam o uso de fórmulas à base de soja para lactentes com alergias alimentares conhecidas, pelo fato de os que são alérgicos ao leite de vaca têm tendência a também desenvolverem alergia ao leite de soja, podendo a própria soja ser responsável pelo surgimento de novas alergias. A preocupação nestas formulações é baseada na exposição aos fitoestrogênios ou isoflavonas, que é superior à exposição pelo leite materno ou fórmulas baseadas no leite de vaca, com impactos biológicos ainda não estabelecidos (Ávila, 2004; ESPGHAN, 2006; Mahan e Escott-Stump, 200c).
LEGISLAÇÃO:
Antes de iniciarmos a análise da composição do Isomil e a legislação vigente para tal, já observamos irregularidades quanto ao rótulo deste produto. Dentro da lei e a partir das diretrizes da Resolução 222/2012, o rótulo de qualquer infant formula:
- Não pode ser apresentado como sendo “ideal” pra a alimentação do lactente, seja através de ilustrações, fotos ou imagens de bebês;
- Não deve conter mensagens que possam por em dúvida a capacidade da mulher de amamentar seu filho;
- Deve conter frases definidas na Norma que enfatizam a superioridade da amamentação e subordinam o uso do produto à orientação médica.
Dentro destas três diretrizes, percebemos que o Isomil viola duas ao usar a imagem do ursinho, algo que pode induzir o consumidor uma imagem de segurança para seu filho, e seu rótulo põe em dúvida a capacidade de aleitamento materno ao utilizar o seguinte aviso: "O melhor alimento para o lactente é o leite materno, exceto quando existem condições nutricionais ou metabólicas especiais, casos em que Isomil poderia ser prescrito".
De acordo com a RDC 45/2011, fórmula infantil para lactentes destinada a necessidades dietoterápicas específicas é “aquela cuja composição foi alterada ou especialmente formulada para atender, por si só, às necessidades específicas decorrentes de alterações fisiológicas e/ou doenças temporárias ou permanentes e/ou para a redução de risco de alergias em indivíduos predispostos de lactentes até o sexto mês de vida”. A ANVISA considera como xarope de glicose (ou de milho) o ingrediente que atenda as especificações constantes na monografia do Food Chemical Codex (FCC), 5ª ed., p.194 – 195. De acordo com essa referência, o xarope de glicose é obtido a partir da hidrólise parcial de amido e com DE (Dextrose Equivalente) acima de 20%, expresso como D-glucose. A adição desse ingrediente somente está prevista em fórmulas infantis para lactentes produzidas com proteína hidrolisada, conforme parágrafo 5º do art. 19 das Resoluções RDC n. 43 e 44 de 2011. Assim, caso uma empresa opte por usar xarope de glicose ou de milho em outras situações, deverá demonstrar que o teor de glicose no produto final é seguro para lactentes e ou crianças de primeira infância. Nesse caso, a empresa também deverá enviar a especificação do xarope de glicose ou de milho a ser utilizado. O que não ocorre no caso do Isomil. A tabela nutricional não contém este tipo de informações.
DISCUSSÃO:
Analisando todos esses dados sobre o Isomil, percebemos que o mesmo se distancia de ser similar ao leite materno. Apesar de ser específico para uma dieta, vemos em sua tabela nutricional a adição de maltodextrina, sacarose, componentes que são completamente dispensáveis à qualquer infant formula. Estudos mostram que o uso de fórmulas a base de soja podem desencadear outros tipos de alergias alimentares, levantando o questionamento de por que a indústria ainda desenvolve este tipo de produto, com novas formulações ricas em "plus", adição de mais componentes sintéticos, tornando-se cada vez mais diferente do leite humano, tentando iludir o consumidor com uma imagem de superioridade ao leite biológico. O rótulo do Isomil não cumpre diversos artigos da atual resolução brasileira, como o uso de imagem infantil, uso de frases idealizando o produto. Este fato chama nossa atenção, pois todo rótulo deve ser aprovado pela ANVISA, órgão que deveria ser responsável por evitar esses tipos de manipulações ao consumidor desses produtos.
CONCLUSÃO:
Infant formulas são mimetizações do leite humano, devendo ser o mais próximo possível em sua composição e qualidade. Este é o pensamento que temos em mente ao avaliarmos as inúmeras formulações disponíveis no mercado. Apesar de haver o Código Internacional e a Norma Brasileira, observamos que não há uma uniformidade na composição de algo que deveria diferir apenas na indústria que o fabrica e muito menos no rótulo destes produtos, e o Isomil não está isento disto. Estas violações às Normas Brasileiras são preocupantes e exigem uma vigilância mais efetiva para impedir um consumo equivocado destes produtos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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ABIAD - Associação Brasileira da indústria de alimentos para fins especiais e congêneres. Disponível em: <http://www.abiad.org.br/index.php/legislacao/resolucoes/96-resolucao-rdc-no45-de-19-de-setembro-de-2011>. Acesso em: 5 dez de 2014.
IBFAN. Disponível em: <http://ibfan.org.br/monitoramento/pdf/moni2005.pdf.>Acesso em: 5 dez de 2014.
SANTOS, V.R.; ABRANTES, K.; TABAI,C. Fórmulas para público infantil: a promoção comercial nas rotulagens de fórmulas infantis e sua adequação com a legislação vigente. Revista Brasileira de Economia Doméstica. Viçosa, v. 24, n.1, p. 021-037, 2013.
SETSUK, T.; FERREIRA, M. Rótulos de alimentos infantis: alguns aspectos das práticas de marketing no Brasil. Campinas. Disponível em:< http://www.scielo.br/pdf/rn/v10n2/06.pdf>. Acesso em: 5 de dez de 2014.
SOMAPE- Sociedade Matogrossense de Pediatria. Alergia Alimentar. Matogrosso. Disponível em:<http://www.somape.com.br/ALERGIA%20%20ALIMENTAR%202010.pdf> Acesso em: 5 dez de 2014.
OLIVEIRA, M. C.; BORGES, D.B.; et al. Avaliação da adequação de rótulos de fórmulas infantis à legislação brasileira. 2011. 30 p. Trabalho de conclusão de curso (Graduação em nutrição). UNIP, São Paulo. Disponível em: Acesso em: 5 dez de 2014.
Clarissa Pellegrini Souza
Isabelle Batista dos Santos
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