Apresentação

Espaço para a apresentação e análise de estudos e pesquisas de alunos da UFRJ, resultantes da adoção do Método de Educação Tutorial, com o objetivo de difundir informações e orientações sobre Química, Toxicologia e Tecnologia de Alimentos.

O Blog também é parte das atividades do LabConsS - Laboratório de Vida Urbana, Consumo & Saúde, criado e operado pelo Grupo PET-SESu/Farmácia & Saúde Pública da UFRJ.Nesse contexto, quando se fala em Química e Tecnologia de Alimentos, se privilegia um olhar "Farmacêutico", um olhar "Sanitário", um olhar socialmente orientado e oriundo do universo do "Consumerismo e Saúde", em vez de apenas um reducionista Olhar Tecnológico.

domingo, 18 de junho de 2017

Glúten e diabetes: A restrição do glúten pode aumentar o risco de diabetes tipo 2?


      Glúten free é a mais nova dieta da “moda” que está fazendo sucesso por quem busca um corpo perfeito. Mas, estudos recentes, mostram que tal escolha pode trazer malefícios à longo prazo. 


       Com o crescente desejo à procura do corpo ideal, as pessoas vêm seguindo planos dietéticos, sem indicação médica e/ou de nutricionistas. Atualmente, o glúten tem sido associado como “o vilão” da boa forma e do emagrecimento e decidiram excluí-lo da alimentação, muitas vezes, sem necessitar de tal restrição. Os efeitos indesejáveis de tais ações vêm sendo cada vez mais alvos de debates científicos, uma vez que pode aumentar o risco de diabetes tipo 2, pois ao restringir o glúten se acaba ingerindo alimentos com baixo teor de fibras.
Fundamentos bromatológicos
     O Glúten é um composto de proteínas encontrada no trigo, cevada, malte, centeio, aveia e seus derivados, ou seja, está muito presente em grande parte das dietas do mundo ocidental, como pães, biscoitos e até mesmo na cerveja. É constituído por frações de gliadina e glutenina que ao serem hidratadas ligam-se entre si e a outros componentes macromoleculares por meio de diferentes tipos de ligações químicas e originam o glúten. O trigo é o único cereal que apresenta gliadina e glutenina em quantidade adequada para formar o glúten. Nos outros cereais supracitados, essas proteínas estão presentes de outras formas, como no caso da cevada que é a Hordeína.
    Sua exclusão tem ocorrido de forma rotineira entre pessoas que almejam o emagrecimento, entretanto sem uma orientação especializada, o que pode acarretar em danos à longo prazo, como no risco de desenvolver diabetes do tipo 2. Nesse contexto, quem realmente precisa retirar o glúten da alimentação são os pacientes celíacos, onde o glúten pode ser prejudicial ao organismo. 
       A doença celíaca é uma desordem autoimune inflamatória que afeta, principalmente, o intestino delgado. Ao ingerir o glúten, ocorre um processo inflamatório no intestino delgado acarretando em danos às vilosidades intestinais, responsáveis pelo revestimento e absorção de nutrientes no intestino. Tal processo, demonstrado na figura 1, pode acarretar em diarreia, fraqueza, perda de peso devido a má absorção de nutrientes e anemia.

Figura 1: Representação da mucosa do intestino
     Além dos celíacos, há pessoas que têm sensibilidade ao glúten, que ao ingerirem a proteína relatam sintomas como gases e diarreia sanguinolenta, porém não resultam em vilosidades intestinais danificadas.
     Já o diabetes mellitus (DM) é uma doença crônica que, atualmente, é um grande problema de saúde pública, uma vez que possui alta prevalência, morbi-mortalidade e custos referentes ao seu tratamento. É caracterizada pela elevação dos níveis de glicose no sangue (hiperglicemia), o que pode ocorrer devido a falhas na secreção ou a irregularidade na ação do hormônio insulina. Tal patologia pode se manifestar de duas formas: DM tipo 1 e tipo 2, iremos nos atentar a essa última.
     Diabetes Mellitus (DM) tipo 2 é a mais comum em adultos e está associada à obesidade, em grande parte dos casos. Em tal enfermidade, há a produção da insulina pelas células beta pancreáticas, entretanto a hiperglicemia é devido a irregularidade na ação do hormônio insulina caracterizando um quadro de resistência insulínica, o que acarreta no aumento da produção de insulina para tentar manter a glicose em níveis normais. Quando isso não é mais possível, surge o diabetes.
       Com relação à fibra, pode-se defini-lá com base em três critérios: químico, botânico ou fisiológico. No quesito químico destaca-se como o resíduo obtido após o tratamento dos vegetais com ácido e álcali. Quanto ao conceito botânico relaciona-se aos elementos fibrosos da parede vegetal ou da estrutura intracelular da planta. Já no aspecto fisiológico, toda fibra alimentar precisa ter uma função fisiológica, independente da sua origem ou estrutura, sendo esta a mais aceita.
        Elas podem ser classificadas, conforme sua solubilidade em água, em : solúveis e insolúveis, onde essas contribuem para a redução de peso, pois induzem a saciedade e estimulam os movimentos peristálticos intestinais através do aumento do bolo-fecal e aquelas retardam o esvaziamento gástrico e o transito intestinal. 

Legislação:

No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) é o órgão responsável pela elaboração e fiscalização das regulamentações sobre rotulagem de alimentos. As principais resoluções são a RDC 259 de 2002 sobre rotulagem geral de alimentos e a RDC 360 sobre rotulagem nutricional. Segundo o Código de Defesa do Consumidor temos direito à informação clara e precisa de produtos, principalmente em relação aos possíveis riscos à saúde.
Com o aumento da frequência de doenças celíacas e doenças relacionadas à ingesta de alimentos alergênicos, a Anvisa realizou uma consulta pública acerca da obrigatoriedade de rotulagem de substâncias “alergênicas” em alimentos industrializados com o intuito de que sejam citados nominalmente no rótulo.
          Apesar de toda regulamentação sobre rotulagem de alimentos no Brasil ser harmonizada com os países do Mercosul, a Diretoria Colegiada (Dicol) da Anvisa decidiu assumir essa regulamentação unilateralmente por se tratar de um caso que oferece grande risco à saúde da população. Além disso, a grande quantidade de ações civis públicas e de ações de consumidores pedindo que tais informações constem nos rótulos serviram como motivação para que a Anvisa desse prosseguimento ao assunto, independente do que pensam os demais países do Mercosul.
Em 1992 foi promulgada a Lei Federal n° 8.543, a primeira que beneficiou os celíacos, pois estabelece que todos os alimentos industrializados que contenham glúten, como trigo, aveia, cevada, malte e centeio e/ou seus derivados, deveriam conter, obrigatoriamente, a impressão da advertência “contém glúten” nos seus rótulos e embalagens, a fim de evitar a doença celíaca ou síndrome celíaca. Tal advertência deve ser impressa nos rótulos e embalagens dos produtos industrializados em caracteres com destaque, nítidos e de fácil leitura. No entanto, os alimentos que não contém glúten não precisavam, segundo a lei, fazer constar na embalagem os dizeres “não contém glúten” e, estes são os alimentos que podem ser consumidos pelos celíacos.
 A Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), visando padronizar a advertência a ser declarada em rótulos de alimentos que contenham glúten, preconizou a Resolução RDC nº 40, de 8 de fevereiro de 2002 que se aplica à Rotulagem de Alimentos e Bebidas, onde “Todos os alimentos e bebidas embalados que contenham glúten, como trigo, aveia, cevada, malte e centeio e/ou seus derivados, devem conter, no rótulo, obrigatoriamente, a advertência: “Contém Glúten”. Excluem-se deste regulamento bebidas alcoólicas”. Todavia, a cevada é utilizada na fabricação da cerveja, do uísque e do gim e o centeio, na fabricação da vodka.
Então, em 2003 foi decretada a Lei Federal nº 10.674, na qual obriga que todas as empresas que fabriquem produtos alimentícios devem informem sobre a presença ou ausência de glúten, como medida preventiva e de controle da doença celíaca. Tais informações deverão está contidas obrigatoriamente no rótulo e bula dos alimentos industrializados, da seguinte forma: "contém Glúten" ou "não contém Glúten". A advertência deve ser impressa nos rótulos e embalagens dos produtos respectivos assim como em cartazes e materiais de divulgação em caracteres com destaque, nítidos e de fácil leitura. Nenhuma referência foi feita em relação às bebidas alcoólicas e, nem em relação à quantidade máxima de gliadina permitida.
Em 2015, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária adota a Resolução ANVISA/DC Nº 26, na qual dispõe sobre os requisitos para rotulagem obrigatória dos principais alimentos que causam alergias alimentares. Esta Resolução se aplica aos alimentos, incluindo as bebidas, ingredientes, aditivos alimentares e coadjuvantes de tecnologia embalados na ausência dos consumidores, inclusive aqueles destinados exclusivamente ao processamento industrial e os destinados aos serviços de alimentação. Tal publicação não altera as exigências legais vigentes sobre a declaração da presença ou da ausência de glúten estabelecidas na Lei n. 10.674/2003, pois esses dispositivos legais cobrem regras diferentes. Enquanto esta define como deve ser a rotulagem para declaração do glúten para fins de doença celíaca, aquela estabelece regras para a rotulagem dos principais alimentos alergênicos, como o trigo por exemplo, o qual possui as proteínas que originam o glúten.

Discussão:

    Um estudo observacional realizado pelo Departamento de Nutrição da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, acompanhou 200 mil pessoas por 30 anos e constatou que ingerir menos glúten aumenta o risco de desenvolver diabetes mellitus tipo 2 e o contrário também é verdadeiro. A pesquisa mostrou que quem ingeriu a maior quantidade de glúten teve 13% menos chances de desenvolverem a doença do que quem consumia a menor, de até 4g diárias. No presente estudo, os pesquisadores observaram que os participantes que comiam menos glúten começaram a consumir alimentos com menos fibras e com alto índice glicêmico. Para eles, a grande questão por trás da relação entre a retirada do glúten e o diabetes seria as substituições. 
          Algumas evidências têm demonstrado que as fibras são capazes de impedir o desenvolvimento de diabetes mellitus e reduzir valores de glicose pós-prandial e, em consequência, a resposta insulínica.
    "Os alimentos sem glúten geralmente têm menos fibras alimentares e outros micronutrientes, tornando-os menos nutritivos. Pessoas sem doença celíaca podem reconsiderar a limitação da ingestão de glúten para a prevenção de doenças crônicas, especialmente para diabetes" disse Geng Zong, Ph.D., pesquisador do Departamento de Nutrição da Universidade de Harvard.
        Em outro estudo, avaliaram um grupo de homens e mostrou que uma dieta rica em fibras reduziu o risco de DM. Num terceiro estudo, com indivíduos não diabéticos com familiares sem DM, o consumo de uma dieta rica em fibras foi inversamente associado à resistência insulínica. Tais dados sugerem que as fibras podem ter um papel na prevenção da DM.
           Como dito anteriormente e com base na declaração do endocrinologista Daniel Kendler, membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, a fibra é um fator de proteção para o desenvolvimento de diabetes tipo 2, pois a sua ingesta adequada na alimentação faz com que atrase o esvaziamento gástrico, ou seja, o carboidrato é absorvido e lentamente e, com isso, diminuindo as taxas de glicose na corrente sanguínea e, assim, não havendo um aumento abrupto dos níveis de insulina e uma possível resistência a mesma.

Conclusão:

     O fato principal é que as pessoas estão considerando o glúten como o “inimigo” das dietas e retirando-o da mesma, porém sem nenhuma comprovação e sem idealizar possíveis consequências. Tal restrição só deve ser feita com orientação nutricional, porém havendo necessidade. É preciso conscientizar as pessoas de que um manejo dietoterápico deve ser feito com cautela e orientação, a fim de uma melhora do padrão alimentar concomitante ao do bem estar e evitar prejuízos à longo prazo para a saúde.

BIBLIOGRAFIA

ACELPAR (Associação dos Celíacos do Paraná). Disponível em: www.acelpar.com.br

SBEM (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia). Disponível em: https://www.endocrino.org.br/o-que-e-diabetes/
Dieta com pouco glúten pode está associada com alto risco de diabetes tipo. Publicado em 09/03/2017. Disponível em:

MUNHOZ, M.P.; SOUZA, J.O.; LEMOS, A.C.G.; GONÇALVES, R.D.; FABRIZZI, F.;  OLIVEIRA, L.C.N.; Nutrição e Diabetes;  Revista Odontológica de Araçatuba, v.35, n.2, p. 67-70, Julho/Dezembro, 2014

Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD). Princípios para orientação nutricional no diabetes mellitus. Disponível em: http://www.diabetes.org.br/profissionais/images/pdf/diabetes-tipo-2/004-Diretrizes-SBD-Principios-pg19.pdf

Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Inimigo do peso? Nº 1695 - Ano 36
17.5.2010. Disponível em:
https://www.ufmg.br/boletim/bol1695/4.shtml

POSSIK, P.A.; FINARDI FILHO, F.; FRANCISCO, A.; LUIZ, M.T.B. Alimentos sem glúten no controle da doença celíaca. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 29, p. 61-74, jun. 2005. http://sban.cloudpainel.com.br/files/revistas_publicacoes/97.pdf

BRASIL. Lei Federal nº 8.543 de 23 de dezembro de 1992. Disponível em: http://www.camara.gov.br/sileg/integras/440852.pdf



BRASIL. Lei Federal nº 10.674 de 16 de maio de 2003. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/documents/33916/393963/lei_10674.pdf/eb3ab49c-5d38-4633-8c15-2031101ae27e

BRASIL. Resolução RDC nº 40, de 8 de fevereiro de 2002. Disponível em: http://controlare.com.br/portal/pdf/legislacao/Resolucao_RDC_40_08_fevereiro_2002.pdf

3 comentários:

  1. Infelizmente a mídia tem uma grande capacidade de influenciar a vida das pessoas, tanto com coisas boas quanto com coisas ruins. O glúten está na "moda", sendo recomendada a sua exclusão da dieta por muitos famosos que julgam ter conhecimento sobre como perder peso.
    Para começar, o indivíduo ao querer uma reeducação alimentar e consequentemente uma perda de peso, deveria procurar especialistas para orientá-lo da melhor forma possível, sem prejudicar seus níveis nutricionais. Eles são os melhores para avaliar o que pode ser consumido ou não de acordo com as necessidades fisiológicas de cada um.
    Além disso, seria interessante aumentar o nível de informação sobre a doença celíaca para a população e desmistificar a problemática do glúten na dieta. A educação é a melhor arma para mostrar à população que o glúten não é um vilão, e sim um aliado à nossa saúde, auxiliando no trânsito intestinal e ajudando no controle da absorção de nutrientes (podendo evitar em longo prazo o surgimento de doenças como o diabetes tipo 2).

    ResponderExcluir
  2. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  3. O interessante desse tipo de trabalho é o título tendencioso que nos leva a induzir que a retirada do glúten da dieta poderia estar causando o aumento de casos de diabetes tipo II e o que, inicialmente, no meu posto de vista, não fazia o menor sentido chegando até a ser contraditório essa indagação. A fisiopatologia do diabetes está relacionada a alta glicemia sanguínea, seguida por resistência periférica à insulina e, ainda, liberação de insulina alta para compensar; o tipo II, além de predisposição genética tem como principal fator o estilo de vida levado pelo indivíduo, uma vez que é adquirida. O glúten está presente em alimentos ricos em carboidratos, principal responsável na dieta por casos de diabetes tipo II. Pessoas celíacas ou alérgicas a esse componente, teriam uma "vantagem" nutricional por eliminar alimentos que o contenham da sua dieta e juntamente reduzindo a ingesta de carboidratos e o risco da diabetes, porém, após essa retirada, a mais ideal substituição seria por alimentos com mais qualidade nutricionais sendo fundamental para a manutenção da saúde e para evitar aparecimento desse tipo de doença metabólica. Porém, o que vemos é a trocas por alimentos menos nutritivos e com alto índices de carboidratos na composição, aumento cada vez mais o risco do desenvolvimento da diabetes adquirida.

    ResponderExcluir