Apresentação

Espaço para a apresentação e análise de estudos e pesquisas de alunos da UFRJ, resultantes da adoção do Método de Educação Tutorial, com o objetivo de difundir informações e orientações sobre Química, Toxicologia e Tecnologia de Alimentos.

O Blog também é parte das atividades do LabConsS - Laboratório de Vida Urbana, Consumo & Saúde, criado e operado pelo Grupo PET-SESu/Farmácia & Saúde Pública da UFRJ.Nesse contexto, quando se fala em Química e Tecnologia de Alimentos, se privilegia um olhar "Farmacêutico", um olhar "Sanitário", um olhar socialmente orientado e oriundo do universo do "Consumerismo e Saúde", em vez de apenas um reducionista Olhar Tecnológico.

domingo, 11 de agosto de 2013

Ginseng: Informação nutricional ou alegação em saúde?


Felipe Berger e Fernanda Maia

Há séculos o ginseng (Panax ginseng C. A. Mey., Araliaceae), é usado na medicina tradicional oriental para uma série de fatores, principalmente como tônico. É popularmente conhecido como revitalizante e muitas vezes tratado como uma panaceia.

Basta dar uma rápida volta no supermercado e você encontrará um produto com a estampa “Ginseng”. Será que os produtos que recebem em seu rótulo o nome desta planta tão famosa realmente promovem o que se espera dela? Ou seria apenas um subterfúgio para vender mais?



Introdução
O que é Ginseng?

O termo ginseng representa uma série de raízes de plantas. As mais conhecidas mundialmente são o “ginseng coreano” (Panax ginseng), o “ginseng siberiano” (Eleutherococcus senticosus) e o “ginseng americano” (Panax quinquefolius). Cada um possui aspectos e efeitos particulares, não devendo então ser generalizados1. Ainda acrescenta-se à lista outro tipo de ginseng: a Pfaffia Paniculata (Mart) O. Kuntze (Amaranthaceae), o “ginseng brasileiro”. No entanto, existe a discussão por parte de diversos autores sobre os verdadeiros efeitos deste sobre a saúde. 

Segundo a Lista de Medicamentos Fitoterápicos de Registro Simplificado2, dada pela Instrução Normativa nº 5 de 2008 da Anvisa, o nome popular “ginseng” refere-se à P. ginseng. Esta espécie é a mais estudada e com suas propriedades melhor elucidadas, possuindo monografia da Organização Mundial da Saúde3. Portanto, para fins deste trabalho, serão então considerados os termos “ginseng”, quando não citados, referentes à P. ginseng.

Este estudo pretende então avaliar aos olhos da atual legislação se de fato há uso de ginseng em alimentos e se isto é feito de modo adequado.


Aspectos Bromatológicos
O que o Ginseng faz?

Aos ginsenosideos são atribuídas as atividades do ginseng. Estes constituem uma classe de moléculas que são tipicamente encontradas em suas espécies.

Diversos efeitos benéficos são descritos na literatura, como antioxidante, anti-inflamatório e anticâncer. Porém, um efeito unânime que quase sempre se remete ao ginseng é a sua característica revitalizante. Por isso é atualmente classificado como “adaptógeno”, isto é, um agente que aumenta a resistência física, química e biológica ao estresse, aumentando assim a capacidade física e mental1.



Alimentos
Quais rótulos trazem o termo “Ginseng”?

Em geral o termo ginseng vem acompanhando produtos amplamente utilizados por quem procura energia para realizar suas atividades: bebidas prontas à base de guaraná (Paullinia cuapana Kunth, Sapindaceae). Sendo popularmente conhecido como tônico, esta estampa também pode ser empregada com o intuito de propaganda, atraindo o consumidor menos informado.
A seguir serão listados alguns produtos que apresentam o termo “Ginseng” em seu rótulo:

1)      Guaraviton® 
Vemos aqui o “Guaraviton”, do fabricante Viton 44 Indústria, Comércio e Exportação de Alimentos Ltda. Observamos o termo “Ginseng” com grande destaque, em fundo contrastante ao rótulo enquanto abaixo, em letras menores, lemos: “Bebida de guaraná com aroma de ginseng adoçada”. Nos ingredientes o fabricante especifica que se trata do aroma do ginseng coreano.

2)      Triaction®
Neste caso temos “Triaction - Guaraná da Amazônia”, do fabricante Vita Mel Indústrias Ltda. A palavra “Ginseng” possui grande destaque no rótulo. Nos ingredientes o fabricante apenas cita “extrato de ginseng”, sem especificar de qual espécie e a quantidade.

3)      Guarateen® 
Acima analisamos o “Guarateen”, do fabricante Riosul Ltda. Vemos no rótulo a palavra “ginseng”, sinalizada pela seta. Nos ingredientes descritos o fabricante cita “Aromatizante extrato natural de raíz de ginseng coreano – Panax ginseng”. Apesar da especificidade da espécie, trata-se apenas de aroma. As informações foram retiradas do site do fabricante4.

4)      Guaramix® 
Aqui observamos o “Guaramix”, do fabricante Mix do Brasil Indústria e Comércio de Alimentos Ltda. O rótulo traz “ginseng” de forma destacada, porém no final, em letras menores, “bebida mista de guaraná e açaí com aroma de ginseng adoçada”. Nos ingredientes o fabricante diz “Aromatizante extrato natural de ginseng (panax)”, indicando que trata-se do ginseng do gênero Panax. As informações foram retiradas do site do fabricante5.


Legislação
Que leis o regulamentam?

Os alimentos funcionais são regulamentados no Brasil pelo Ministério da Saúde através da Anvisa, autarquia federal sob regime especial, instituída pela Lei nº 9.782 de 1999. Esta dispõe sobre estes alimentos por meio de uma série de regulamentos técnicos. O regulamento técnico para bebidas prontas, alimento estudado neste trabalho, está inserido na Resolução RDC nº 273 de 22 de setembro de 2005. Ainda existem as Resoluções nº 18 e 19, ambas de 1999, que definem e estabelecem critérios para as alegações em saúde dada por produtos alimentícios.

O ginseng aparece na IN nº 5 de 2008 sendo classificado como medicamento fitoterápico de registro simplificado, não podendo ser considerando, então, alimento ou ingrediente.

Na Europa o regulamento (CE) nº 1924 de 20066 determina condições para se promover alegações em saúde, exigindo uma série de informações acompanhando tal alegação.


Discussão

A princípio observamos que três dos produtos listados continham apenas o aroma da raiz de ginseng, dois deles utilizando o termo “aromatizante extrato”. Sem discutir o caráter organoléptico, podemos desconfiar a respeito do real interesse dos fabricantes. Apenas o nome “Ginseng” é capaz de atrair o consumidor desatento que, ao vê-lo com grande destaque no rótulo, consome o produto crendo nas propriedades funcionais atribuídas pelo mesmo em seu uso popular.

Segundo o Guia para Comprovação da Segurança de Alimentos e Ingredientes7 publicado pela Anvisa em Fevereiro de 2013, o ginseng não pode ser considerado um alimento ou ingrediente e sim uma planta utilizada com propósito terapêutico, no Brasil. Sendo assim, as bebidas que apresentarem de fato extrato de ginseng em sua composição devem se remeter a Anvisa apresentando o teor do mesmo e, se necessário, registrar o produto dentro de sua classificação apropriada.


Conclusão

O termo “ginseng” nos rótulos não é apropriado, uma vez que pode causar uma interpretação errada do consumidor, pois como visto, muitas vezes trata-se apenas do aroma. Neste caso, o ideal seria colocar com o mesmo destaque a parte referente ao aroma ou usar uma terminologia direta, como “Aroma de Ginseng” ou “Sabor Ginseng”, assim como o item 3.5 do Regulamento presente na RDC 273 de 2005 diz.              


Para as bebidas que contenham de fato o extrato ou a tintura da droga vegetal é necessário registro na Anvisa, já que não é classificado simplesmente como alimento ou ingrediente e, avaliado o devido teor, classificado como fitoterápico de registro simplificado. Sendo assim, o fabricante deve passar pelos devidos trâmites legais em relação ao seu produto para que possa assim ser comercializado de forma adequada.


Referências:


1 KIEFER, D.; PANTUSO, T. Panax ginseng. American Family Physician, v. 68, n. 8, p. 1539-1542, 2013. Disponível em <http://www.mirabiotechnology.com/upload/2013217121850panax%20ginseng.pdf> Acesso em 10/08/2013.

2 BRASIL. Instrução Normativa nº 5 de 2008, MS, Anvisa. Disponível em <http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/IN_N_5_2008_anvisa.pdf> Acesso em 10/08/2013.

3 WHO. WHO Monographs on Selected Medicinal PlantsVolume 1. Disponível em <http://apps.who.int/medicinedocs/en/d/Js2200e/19.html#Js2200e.19> Acesso em 10/08/2013.



6 Europa – Síntese da legislação da UE. Alegações nutricionais e de saúde. Disponível em <http://europa.eu/legislation_summaries/consumers/product_labelling_and_packaging/l21306_pt.htm> Acesso em 10/08/2013.
7 BRASIL. Guia para Comprovação de Segurança de Alimentos e Ingredientes. Anvisa, 2013. Disponível em <http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/connect/2b84a5004eb5354885fb878a610f4177/Guia+para+Comprova%C3%A7%C3%A3o+da+Seguran%C3%A7a+de+Alimentos+e+Ingredientes.pdf?MOD=AJPERES> Acesso em 10/08/2013. 











8 comentários:

  1. Caramba, muito interessante o estudo. Meu nome é Paula, sou recém-formada em Direito pela UFRJ e nunca tinha ouvido falar sobre as especificidades das legislações que regulam os rótulos de alguns alimentos, especialmente o ginseng. Não sabia mesmo que o ginseng era classificado como medicamento, sempre ingeri Guaraviton sem restrições, pensando que era um extrato natural que me deixaria mais forte e com mais energia! Quando, na verdade, nem com ginseng o produto é fabricado, mas com um aroma. De fato, um caso a ser resolvido judicialmente...

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  2. Pedro Gabriel Dias Lobato Pereira8 de setembro de 2013 às 14:59

    Este caso mostrou mais um dos artifícios da indústria para chamar a atenção dos consumidores. Um fato interessante é que as pessoas consomem essas bebidas de modo abundante, acreditando que são feitas a base de um produto natural que, supostamente, não trará malefício algum. Diversos estudos mostram que os componentes químicos mais relevantes na atividade biológica do ginseng são saponinas triterpênicas denominadas ginsenosídeos e que de fato, atuam como adaptógenos, conferindo mais disposição para atividades físicas, além de propriedades anti-inflamatórias e anti-oxidantes. No entanto, estudos também mostram que os preparados de ginseng, especialmente Panax ginseng, possuem grande potencial de interações medicamentosas, com ênfase para anticoagulantes orais como a varfarina (Janetzky & Morreale, 1997), o que aumenta a chance de ocorrência de hemorragias, além de interagirem com substâncias hipoglicemiantes, como é o caso da insulina (Ng & Yeung, 1985; Ohnishi et al., 1996), o que pode promover um quadro acentuado de hipoglicemia em diabéticos. Os ginsenosídeos também são capazes de induzir a expressão de sistemas enzimáticos microssomais (CYP2E1, principalmente), o que pode reduzir o tempo de ação e a meia-vida de diversos fármacos. Todas essas interações são potencialmente perigosas e poderiam ocorrer com grande incidência se essas bebidas fossem realmente a base de extratos de ginseng.

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  3. Paolla Ferreira Baptista8 de setembro de 2013 às 20:19

    As bebidas citadas no trabalho são indiscriminadamente consumidas pela população e, muitas vezes, o consumidor não possui o objetivo de aumentar sua energia ou coisas desse tipo, ele simplesmente a consome por gostar do sabor. Uma vez que o extrato de ginseng (Panaxginseng) é tratado pela ANVISA como medicamento, então podemos pensar esses produtos por uma nova perspectiva. Primeiramente, não são todas as espécies da planta capazes de promover o efeito conhecido, como dito no trabalho a cima. Segundo: qual a qualidade do ginseng usado quando o fabricante não indica a espécie? Alguns estudos mostram que mesmo no ginseng farmacopeico (P.ginseng) existem substâncias com efeitos opostos.O efeito final depende de como é preparado o extrato e a porcentagem do mesmo que é colocada nas bebidas. Outras perguntas pertinentes são qual a quantidade de ginseng pode ser ingerida pelo ser humano sem que isso lhe cause nenhum mal e existe alguma restrição para a ingestão do extrato de ginseng? Provavelmente o fabricante não está preocupado em saber como a bebida dele interfere em uma pessoa que a adote como parte da sua dieta diária, por exemplo,esportistas (posto que, o próprio fabricante induz esse tipo de consumo em sua propaganda), uma vez que essa atitude lhe é muito rentável;já se sabe também que o ginseng e, consequentemente essas bebidas, podem ser prejudiciais à gestantes, diabéticos e pessoas portadoras de doenças auto-imunes.

    Referências bibliográficas:
    LEMOS, W. O panax ginseng. In: Welson Lemos – Evolução no conceito nutricional. 2013. Disponível em: . Acesso em: 08/09/2013.

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  4. O trabalho mostra a necessidade de maiores informações ao usuário e uma legislação mais eficiente quanto a forma com que são feitas as propagandas. Diversas plantas são comercializadas com um nome usual e em realidade as espécies são diferentes e portanto apresentam concentrações de substâncias e atividades buscadas diferentes, como exemplo tem-se a jurubeba, que é comercializada tanto a espécie Solanum paniculatum, Solanum torvum, dentre outras espécies, como sendo a mesma planta e elas apresentam características diferenciadas, algumas com maior efeito antioxidante e outras mais tóxicas.
    Como já dito, o ginseng pode apresentar efeitos maléficos como desencadear efeitos estrogênicos, alterar pressão sanguínea, afetar a ação de outros medicamentos, etc.
    Segundo um trabalho realizado pelo departamento de Farmácia da USP: "O ginseng não é recomendado a mulheres grávidas ou em fase de amamentação; há relato de morte neonatal e o desenvolvimento de características masculinas em bebê do sexo feminino após a mãe ter utilizado ginseng durante a gravidez." Portanto, mais do que especificar no rótulo qual espécie do Ginseng e concentração utilizada seria importante relatar o cuidado do consumo à mulheres grávidas.

    Referências bibliográficas: NICOLLETI, M.A. et al; Principais Interações no Uso de Medicamentos Fitoterápicos; Infarma, v.19, nº1/2,2007

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  5. Richard Norman DRE: 10905403131 de outubro de 2014 às 23:30

    Como consumidor de bebidas energéticas, não sabia que estes produtos contendo Ginseng deveriam ser classificados como medicamentos. De fato, a indústria de alimentos tem se aproveitado da fiscalização limitada da Anvisa para ludibriar os consumidores que se impressionam com o rótulo que possui o nome do ingrediente em destaque. É importante ressaltar que do ponto de vista farmacêutico, existe uma razão pela qual a classificação dos produtos contendo o extrato de Panax ginseng seja de medicamento fitoterápico, residindo esta no potencial risco a saúde dos usuários. Bebidas energéticas apesar de aparentemente inofensivas, constituem um perigo real e podem desencadear efeitos tóxicos, principalmente as que misturam diferentes estimulantes como guarana, ginseng, cafeína e taurina.

    Ótimo artigo, fontes de inforrmação como essa são importantíssimas para disseminar abordagens científicas de temas com cunho educativo e que estão diretamente associados a saúde pública através da Bromatologia.

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  6. André Athayde de Figueiredo Freire DRE: 110.130.24827 de março de 2015 às 00:38

    Eu estagio na parte de fitoquímica e são sempre bem-vindas informações sobre fitoterápicos. De fato cada espécie possui produção de metabólitos secundários de forma diferente de outra, por isso é importante se trabalhar com a espécie correta, no exemplo, o Panax ginseng, como preconiza o livro dos fitoterápicos de registro simplificado. Essa é uma planta principalmente revitalizante e adaptógena, estimulando o sistema imune e, por estar presente em vários alimentos, é importante o estudo bromatológico, muito bem resumido no trabalho. Importante também frisar o que a legislação preconiza sobre o P. ginseng, ou seja, é um assunto que ainda merece discussão devido às burocracias em cima da droga vegetal que, por ser considerada também um medicamento, causa confusão ao ser rotulada nesses produtos. Muitas pessoas consomem os produtos exemplificados sem o (restritamente falando) estudo farmacológico conhecido, no entanto, são famosos os efeitos deles sobre o nosso corpo. Como sempre, tudo em excesso faz mal e pode causar situações inimagináveis, ainda mais se tratando de (erroneamente conhecidos) reles bebidas. Gostei do texto e da forma como foi escrita, estimulando a curiosidade e usando diferentes exemplos.

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  7. Que ótimo trabalho! Tornou-se evidente a necessidade de conhecermos a legislação que envolve os alimentos e bebidas que ingerimos, uma vez que as indústrias utilizam de recursos para chamar a atenção do consumidor, mas tendo o conhecimento da legislação, sabe-se que nem tudo que aparece no rótulo, é verdadeiro de fato. Um exemplo disso foi a utilização da “ginseng” para chamar a atenção do consumidor, quando, na verdade, a utilização de substâncias farmacológicas e fitoterápicas não é permitida na formulação de alimentos.
    A publicação me lembrou de um fato semelhante ocorrido com as chamadas "rações humanas", um suplemento alimentar em pó (contendo guaraná, por exemplo), vendida como uma opção de substituição de refeições para obter o emagrecimento. Sendo que pessoas que substituem refeições pelas "rações" estão colocando a própria saúde em risco, uma vez que essas não oferecem a quantidade de nutrientes necessários para uma alimentação saudável. A própria ANVISA já alertou sobre o uso indevido da expressão “ração humana”, tendo em vista que pode confundir o consumidor e não indica a verdadeira natureza e característica do alimento. Além disso, alegações de propriedades medicamentosas, terapêuticas e relativas a emagrecimento não podem constar do rótulo ou material publicitário do produto.

    Fonte: Agência Nacional de Vigilância Sanitária: http://portal.anvisa.gov.br/noticias/-/asset_publisher/FXrpx9qY7FbU/content/consumo-de-racao-humana-pode-ser-prejudicial-a-saude/219201/pop_up?_101_INSTANCE_FXrpx9qY7FbU_viewMode=print&_101_INSTANCE_FXrpx9qY7FbU_languageId=pt_BR

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