A rotulagem dos alimentos é fundamental no âmbito do controle sanitário, a partir dessa premissa, alguns alimentos estão submetidos à regulamentações específicas por serem considerados “especiais”.
Alimentos para fins especiais, alimentos que apresentem declarações nutricionais (“claims”) e alimentos adicionados de nutrientes essenciais, devem apresentar obrigatoriamente informação nutricional complementar. Já alimentos que são comercializados em forma de cápsulas, comprimidos ou outras fórmulas farmacêuticas devem veicular em seus rótulos informações quanto às suas propriedades funcionais.
Contudo, muitas vezes essas informações são contraditórias e não são expostas de forma clara. E mesmo dessa forma estes produtos vão parar nas mãos dos consumidores, nos permitindo questionar: qual o papel das Agências Regulatórias na rotulagem e no controle sanitário de alimentos?
O aspecto a ser analisado neste trabalho diz respeito às possibilidades de registro de um alimento. Para essa abordagem, consideremos três classes por vezes ambíguas de alimentos, definidos em termos da legislação sanitária:
Alimentos e/ou novos ingredientes – são alimentos ou substâncias sem histórico de consumo no país, ou alimentos com substâncias já consumidas, e que, porém venham a ser adicionadas ou utilizadas em níveis muito superiores aos atualmente observados nos alimentos utilizados na dieta regular.1
Substâncias bioativas e probióticos isolados com alegação de propriedades funcionais e ou de saúde;
Alimento com alegação de propriedades funcionais e ou de saúde em sua rotulagem.
Tabela 1 – Definições referentes à legislação brasileira de alimentos e suas fontes legais. Extraído de Silveira, 2006. 5
É bem verdade que existe uma ambiguidade entre essas três denominações de alimentos, de modo que alguns alimentos podem ser registrados em qualquer uma das três ou em mais de uma, podendo ser submetidos, portanto, a diferentes controles sanitários. Além disso, alguns produtos passíveis de registro enquadrados em uma dessas classes podem ser registrados como medicamento também.
Muito se fala sobre alimento funcional, a verdade é que sua identidade não é bem definida. No Brasil, sequer podemos usar essa expressão nos âmbitos da legislação sanitária vigente, que não considera esse tipo de alimento. No Japão, onde esse termo foi inicialmente utilizado, serve para designar “alimentos processados, similares em aparência aos alimentos convencionais, usados como parte de uma dieta normal e que demonstraram benefícios fisiológicos e, ou, reduziram o risco de doenças crônicas, além de suas funções básicas nutricionais”. 4
Apesar de não definir alimento funcional, a legislação brasileira define alegação de propriedade funcional e alegação de propriedade de saúde e estabelece as diretrizes para sua utilização, além de prevê as condições para registro de tais produtos. 2,3 Assim, para essas alegações são permitidas informações alusivas ao papel fisiológico no crescimento, desenvolvimento e funções homeostáticas do organismo e, ou, ainda afirmações sobre a manutenção geral da saúde e a redução de risco de doenças, em caráter opcional. De tal modo, são proibidas alegações que façam referência à cura ou a prevenção de doenças.
No Chile, não existe o termo “alegação de saúde” e sim “declaração de propriedades saudáveis dos alimentos”, e assim entende-se por declaração de propriedades saudáveis qualquer representação que afirme, sugira ou implique haver uma relação entre o alimento ou o produto alimentar, o nutriente ou outra substância contida no alimento e uma condição relacionada à saúde. Para a determinação dessas mensagens foram considerados o perfil epidemiológico do Chile, os principais problemas de saúde relacionados á alimentação e à nutrição e, ainda, os guias de alimentação saudável daquele país. Já o Canadá iniciou essa discussão em 1998 e em 2001 propôs 5 alegações nos rótulos de alimentos, com o objetivo de informar o consumidor sobre os benefícios e o papel da alimentação em relação ao risco de desenvolvimento de certas doenças. 5,6
Nos EUA o processo de estabelecimento de alegações de saúde nos Estados Unidos teve início em 1980 e em 1993 o Food and Drug Administration (FDA) finalizou as regulamentações, estabelecendo requerimentos para as alegações de saúde (foram aprovadas 12 alegações de saúde genéricas). A União Européia (European Food Safety Authority, EFSA), discute a rotulagem nutricional e as alegações de saúde. A EFSA disponibilizou para consulta pública eletrônica uma proposta de autorização das alegações de saúde referentes à redução de risco de doenças.
A partir da constatação de que o consumidor tem sido confundido com uma nomenclatura e alegações, claims, de propriedades não demonstradas cientificamente, a tendência do Codex Alimentarius e outros países, foi disciplinar as alegações sobre as propriedades funcionais dos alimentos ou de seus componentes, como também, a segurança com base em evidências científicas.
Discussão
O Brasil estabeleceu e padronizou estas alegações de saúde dos alimentos em questão em acordo com a Política Nacional de Promoção à saúde, porém surge o questionamento: as necessidades nutricionais seguem um padrão por toda extensão do território brasileiro? O Marketing da indústria Alimentícia direciona suas ações, no que diz respeito aos alimentos funcionais, aos subnutridos que vivem com até um real por dia ou aos que realmente apresentam carência nutricional específica? Os alimentos que são comercializados em formas farmacêuticas (cápsulas, comprimidos, etc.) é um ótimo exemplo, da ação da máquina marqueteira da indústria de alimentos, porque apesar de conterem no rótulo: “O Ministério da Saúde adverte: Não existem evidências científicas comprovadas de que este alimento previna, trate ou cure doenças.”, estes são propagandeados muitas vezes de forma equivocada levando o consumidor a relacioná-lo com medicamento com possíveis ações terapêuticas. 7 A partir do exposto podemos destacar que a função dos Health Claims é alerta a população consumidora quanto às informações nutricionais de um público específico e não apenas servir apenas como ferramenta de marketing e alegação de inovação por parte dos produtores de alimentos. Por outro lado, não basta apenas os Órgãos Reguladores exigirem a presença das alegações de saúde, com também serem atores ativos na educação sanitária, porque “estar escrito não basta para que não sabe ler”.
Conclusão
Antes de mais nada é de urgente necessidade delinear o que é alimento funcional para que as normas e regulamentações neste contesto não apresentem ambiguidade e brechas para múltiplas interpretações. Apesar de que em alguns países, incluindo o Brasil, as alegações de saúde de alimentos terem sido definidas e padronizadas (no caso do Brasil, pela ANVISA), pouco se entende sobre o papel das alegações de saúde, mensagens diretas que orientam a escolha de determinados produtos, na educação alimentar e nutricional, na escolha alimentar e na alimentação saudável. Contudo as alegações de saúde se não forem expostas de forma clara e contextualizadas podem prejudicar o consumidor quanto à sua alimentação e bem-estar, porém se forem propostas de modo coerente e em acordo com às necessidades nutricionais e às políticas de saúdes dos países estas podem sim, ser uma ferramenta para a proteção a saúde do consumidor.
Referências Bibliográficas:
1. AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. ANVISA. (BRASIL). Resolução nº 16, de 30 de abril de 1999. Aprova o Regulamento Técnico de Procedimentos para Registro de Alimentos e ou Novos Ingredientes. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, 03 dez. 1999. Disponível em: . Acesso em: 15 jun. 2011. 1999
2. ______. Resolução nº 18, de 30 de abril de 1999. Aprova o Regulamento Técnico que Estabelece as Diretrizes Básicas para Análise e Comprovação de Propriedades Funcionais e ou de Saúde Alegadas em Rotulagem de Alimentos. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, 03 nov. 1999. Disponível em: . Acesso em: 15 jun. 2011. 1999.
3. _______. Resolução nº 19, de 30 de abril de 1999. Aprova o Regulamento Técnico de Procedimentos para Registro de Alimento com Alegação de Propriedades Funcionais e ou de Saúde em sua Rotulagem. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, 10 dez. 1999. Disponível em: . Acesso em: 15 jun. 2011. 1999
4. HASLER, C. M. Functional Foods: their role in disease prevention and health promotion. Food Technol., v.52, n.11, p.63-70, 1998.
5. SILVEIRA, T.F.V. da. Uma análise de legislação para alegações de propriedade funcional e saúde: alimentos ou medicamentos? 89 f. Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva) – Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.
6. SILVEIRA, T.F.V. da; VIANNA, C. M. de M.; MOSEGUI, G. B. G. Brazilian legislation for functional foods and the interface with the legislation for other food and medicine classes: contradictions and omissions. Physis, Rio de Janeiro, v. 19, n. 4, 2009 .
7. STRINGHETA, P. C. Políticas de saúde e alegações de propriedades funcionais e de saúde para alimentos no Brasil. Rev. Bras. Cienc. Farm., São Paulo, v. 43, n. 2, Jun 2007.
Alguns questionamentos do trabalho são bastantes pertinentes e principalmente dois deles estão interligados e podem ser abordados com maior profundidade : "as necessidades nutricionais seguem um padrão por toda extensão do território brasileiro?" e que os Health Claims não deviam "apenas servir apenas como ferramenta de marketing". Uma análise dos produtos enriquecidos e/ou intitulados funcionais, são um amontoado de alimentos que não possuem nenhuma correlação com dados epidemiológicos e que não buscam atender a nenhuma carência nutricional de relevância na saúde pública. Mesmo porque observamos que o Brasil, por ser um país de dimensões continentais, possui uma grande heterogeneidade, o que faz com que as diferentes populações, de diferentes localidades possuam hábitos alimentares e carências nutricionais diversas.
ResponderExcluirOs Health Claims tornaram-se estratégias de marketing, apenas uma maneira de agregar maior aceitabilidade ao produto, de passar a imagem de "saudável" ao produto ao invés de atender às necessidades do consumidor.
Muito boa a abordagem, principalmente por apresentar definições de outros países.
ResponderExcluirLembro que em uma determinada aula desejei realizar alguns comentários sobre o assunto, porém fui interrompido de forma sagaz e me calei. Penso que agora é, como da última vez, oportuno para tal. Apenas para reflexão:
1. Temos que ter em mente que tal assunto não é novidade.
2. Sabemos que muitos se formaram antes de nós e que, muitos deles, trabalham em certas agências regulatórias.
3. Partindo do pressuposto que boa parte dos alunos que se formaram acreditam (faço questão de manter o tempo em "-am" e não em "-avam) que as definições em claims e o comércio que se tornou sem evidências científicas estão, de fato, uma bagunça, porque nada muda? Se nós que, de uma forma ou outra podemos mudar o panorama, porque os anteriores não tentaram, ao menos, fazer isso? Será esquecimento oportuno da educação tutorial? Será a capacidade inata de se adequar ao meio?
Por isso perguntaram ao Holtz: "Como consegues ter todos tão entusiasmados em seu time?" E ele respondeu: " É muito simples. Eu elimino os que não são".
Por isso perguntaram às Agências: " Como conseguem ter todos tão bem doutrinados em seus respectivos times?" E elas responderam: "Pergunte ao Holtz"
Será que a estabilidade e bom salário são suficientes? Sim, caso você não queira mudar muito. Não, caso você queira ao menos tentar fazer algo diferente.
"Eu mandei avisar. Se você não leu, sinto muito..."
A falta de robustez da legislação nacional permite ao alimento conquistar o espaço, que muitas vezes, os medicamentos não ganham - devido à uma legislação relativamente mais dura. Isso gera um mercado promissor e, relacionando-se com a saúde, aparentemente mais lucrativo. Com isso, nota-se o interesse de aproximar diretamente o consumidor às ideias controversas de que o alimento é bom, mas o funcional é melhor ainda. A falta de conhecimento dos profissionais de saúde, aliado ao poder de persuasão dos propagandistas, gera um consumo ainda maior. Se o país sofre com o problema sanitário da auto-medicação, o alimento funcional e/ou nutracêutico preechem o espaço conquistado pelas campanhas de informação aos usuários de medicamentos. Isso pode tornar tais categorias de alimentos um futuro problema de saúde pública.
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