Apresentação

Espaço para a apresentação e análise de estudos e pesquisas de alunos da UFRJ, resultantes da adoção do Método de Educação Tutorial, com o objetivo de difundir informações e orientações sobre Química, Toxicologia e Tecnologia de Alimentos.

O Blog também é parte das atividades do LabConsS - Laboratório de Vida Urbana, Consumo & Saúde, criado e operado pelo Grupo PET-SESu/Farmácia & Saúde Pública da UFRJ.Nesse contexto, quando se fala em Química e Tecnologia de Alimentos, se privilegia um olhar "Farmacêutico", um olhar "Sanitário", um olhar socialmente orientado e oriundo do universo do "Consumerismo e Saúde", em vez de apenas um reducionista Olhar Tecnológico.

sábado, 27 de fevereiro de 2016

Contaminação de alimentos por coliformes fecais na rede Chipotle: entendendo os riscos e medidas de prevenção


A ocorrência de contaminações em alimentos por microrganismos e por toxinas produzidas por microrganismos é um importante tema de saúde pública que ocorre de maneira frequente em nossa sociedade. A análise destes acontecimentos sob a perspectiva bromatológica fornece importantes ferramentas e conhecimentos para o desenvolver de um pensamento crítico no assunto e propor melhorias para a proteção da comunidade como um todo.

Um estudo do caso envolvendo a rede fast food de comida mexicana Chipotle, nos Estados Unidos, fornece um exemplo da dimensão do problema das tóxico-infecções em alimentos. O agente etiológico promotor do surto de infecção foi a enterobactéria Escherichia coli produtora de toxina Shiga do sorogrupo O26. Este agente é encontrado em diversos países no gado bovino saudável, sendo este animal um possível reservatório para a bactéria. A transmissão deste microorganismo pode ocorrer por três vias: contato direto com animais, contato com humanos e o consumo de água e alimentos contaminados, o que pode ser ainda resultado de uma contaminação cruzada.

As manifestações clínicas de uma infecção por estes microrganismos podem se apresentar desde uma forma branda (envolvendo principalmente diarreia abundante por mais de três dias consecutivos com dores abdominais), podendo evoluir para a forma grave, levando à Síndrome Hemolítica Urêmica (SHU) por ação das toxinas secretadas pela bactéria. Esta síndrome está associada à quadros de anemia hemolítica, lesões vasculares e insuficiência renal. A forma grave, em geral, acomete indivíduos imunossuprimidos, crianças e idosos.

Descrição do caso 

No surto de infecção da rede Chipotle, as manifestações clínicas tiveram início em outubro de 2015 e até em 2016 foram identificadas indivíduos infectados. Este estudo de caso envolveu dois surtos, sendo que o primeiro abrangeu 11 estados americanos, totalizando 55 pessoas com 21 hospitalizações. Já no segundo, de menor proporção, os casos foram distribuídos em 3 estados,  totalizando 5 pessoas com 1 hospitalização. Não houve evento de SHU. As evidências do patógeno levaram a uma investigação por órgãos competentes como o Center for Disease Control and Prevention (CDC), Food and Drug Administration (FDA), Departamento de segurança de alimentos agrícolas e serviços de inspeção dos Estados Unidos, bem como oficiais de segurança pública de vários estados.

As pesquisas epidemiológicas indicaram que 47 pessoas do primeiro surto e todas do segundo surto relataram ter feito uma refeição nesta rede na última semana antes da infecção. A maioria ingeriu vários dos mesmos ingredientes, sendo que uma pessoa era vegetariana. Investigações nos estabelecimentos não identificaram itens contaminados, e os funcionários investigados também não apresentaram infecção por Escherichia coli.  As análises conduzidas sobre os relatórios de distribuição dos alimentos foram incapazes de identificar um único item como fonte da contaminação. Por se tratar de um caso onde os alimentos são provenientes de diversas fontes e servidos misturados, observa-se a dificuldade técnica do estudo epidemiológico para identificar um item isolado como a fonte de contaminação microbiológica.

As pesquisas de laboratório com técnicas de biologia molecular indicaram a presença de Escherichia coli do sorogrupo O26. Observou-se uma grande relação genética entre os isolados de bactérias obtidos em diferentes estados no primeiro surto. Sendo assim, ainda que a infecção tenha ocorrido em estados diferentes, ela teve uma origem comum.

Fundamentos Bromatológicos

A presença de Escherichia coli em alimentos é um dado de extrema relevância, pois além de ser um indicador de contaminação fecal, pode sugerir contaminação por cepas bacterianas patogênicas, que são de difícil diferenciação, somente possível por métodos moleculares, analisando a presença de genes de virulência.

Estudos conduzidos em outras oportunidades por diferentes grupos de pesquisa já notificaram a presença de subtipos semelhantes de Escherichia coli produtora de toxina Shiga do sorogrupo O26, tanto em animais quanto em humanos, no Brasil. Estes dados sugerem que estas infecções são subnotificadas e servem de alerta para os riscos de infecções por este microrganismo no território nacional. Associado a este risco, adiciona-se que o Brasil faz fronteira com a Argentina, país considerado como área endêmica de SHU.

O caso noticiado da rede de fast food americana Chipotle, a conduta executada de forma integrada e compulsória por órgãos regulatórios americanos (CDC, FDA, departamentos de segurança de alimentos de origem agrícola e oficiais públicos de diferentes estados) e os aspectos regulatórios associados ao assunto trazem informações valiosas para o estudo bromatológico das tóxico-infecções alimentares.

A notificação compulsória de casos de tóxico-infecções nos Estados Unidos é um modelo importante para o controle de casos e também para a geração de medidas eficazes para combater surtos de contaminação microbiológica nos alimentos.

As condições precárias em que muitas vezes se encontram os estabelecimentos que comercializam alimentos (restaurantes, cantinas, barracas de rua e, recentemente, os food trucks), noticiada de forma recorrente nos veículos de comunicação, sinalizam o risco das tóxico-infecções em alimentos para a população brasileira. Associado a este risco, observa-se também a subnotificação dos casos de tóxico-infecções alimentares no Brasil, o que acaba minimizando as dimensões deste problema de saúde pública.

Uma pesquisa bibliográfica da legislação nacional vigente, com auxílio de textos científicos já publicados, foi conduzida a fim de identificar os esforços normativos e parâmetros estabelecidos por órgãos fiscalizatórios para caracterizar as tóxico-infecções alimentares e estabelecer ações preventivas. A legislação referente ao assunto é extensa e se aplica à diferentes aspectos dos casos de contaminação microbiológica em alimentos. O estudo aqui descrito não se propõe a descrever os aspectos da legislação em toda a sua extensão e complexidade, mas fornecer referências e pontuar tópicos específicos para aqueles que se interessarem e desejarem conhecer mais sobre o assunto.

Tendo em vista o surto de tóxico-infecção nos alimentos da rede Chipotle, a investigação conduzida pelas autoridades competentes não foi capaz de identificar a fonte exata da contaminação, apesar dos esforços desprendidos. Prováveis fontes alimentares contaminadas com os microrganismos responsáveis pelo surto são: as carnes processadas industrialmente, os frutos, as verduras, legumes e outros ingredientes de origem vegetal (tais como alface, pepino, jalapeños, cebolas, tomate).

Legislação pertinente

Avaliando a legislação nacional existente, observa-se, de uma forma geral, a descrição de requisitos gerais e específicos nos regulamentos técnicos dos alimentos que visam a proteção do consumidor. Como exemplo, a resolução da diretoria colegiada (RDC) nº 272/2005, da ANVISA, estabelece o regulamento técnico para produtos vegetais e produtos de frutas. Neste regulamento, um requisito geral no item 6.1 estabelece que "os produtos devem ser obtidos, processados, embalados, armazenados, transportados e conservados em condições que não produzam, desenvolvam e ou agreguem substâncias físicas, químicas ou biológicas que coloquem em risco a saúde do consumidor. Deve ser obedecida a legislação vigente de Boas Práticas de Fabricação”.

A Secretaria de Vigilância em Saúde disponibiliza também um Manual integrado de prevenção e controle de doenças transmitidas por alimentos (DTA), que descreve o Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica das Doenças transmitidas por Alimentos. Este sistema tem por objetivo reduzir a incidência das DTA no Brasil a partir do conhecimento do problema e de sua magnitude, subsidiar as medidas de prevenção e controle, contribuindo para melhoria da qualidade de vida da população.

A RDC nº17/1999 aprova um regulamento técnico importante para proteção da saúde da população, que descreve as Diretrizes básicas para a Avaliação de Risco e Segurança dos Alimentos. Este regulamento define conceitos importantes como o risco, análise de risco e avaliação de risco.  Estabelece ainda de que forma a comprovação de segurança em alimentos deve ser conduzida.

A RDC nº12/2001 possui importância nesta pesquisa de referências oficiais, pois aprova o regulamento técnico que estabelece os padrões microbiológicos sanitários para alimentos e determina os critérios para conclusão e interpretação dos resultados de análises microbiológicas em alimentos destinados para consumo humano.

A RDC nº216/2004, por sua vez, estabelece o regulamento técnico para Boas Práticas em Serviço de Alimentação a fim de garantir as condições higiênico-sanitárias do alimento preparado. As definições, referências e caracterização da estrutura física do local de oferta do serviço alimentar ressaltam importantes aspectos da cadeia de processos aos quais os alimentos estão submetidos e etapas do processo onde pode ocorrer a contaminação com microrganismos.

Análise e Comentários 

Um esquema representativo da cadeia de processos realizados sobre o alimento até o consumo final está indicado na figura 1.

Figura 1. Processos conduzidos sobre um alimento antes de seu consumo.   



Diante das diversas etapas apresentadas na cadeia de processos, todas passíveis de promover contaminação microbiológica nos alimentos e consequentemente resultar em possíveis tóxico-infecções alimentares, observa-se a relevância do assunto e a importância de investimento de medidas para reduzir estas contaminações.

Dentre as medidas estabelecidas pela rede de fast food Chipotle para combater o surto e prevenir a ocorrência de novos surtos, destacam-se:
1. Aumento do rigor no controle de qualidade, inspeções e auditorias
2. Lavagem e testagem de alimentos em cozinhas centrais antes da distribuição dos ingredientes serem enviados aos restaurantes da rede (figura 2).
3. Aprimoramento dos processos de descontaminação dos alimentos e frequência das limpezas e sanitizações das áreas físicas.
4. Incentivo e implementação de treinamento de recursos humanos em boas práticas de manipulação de alimentos.

Figura 2. Metodologia de lavagem de alimentos para redução da contaminação



As medidas e ações preventivas vão desde a capacitação de recursos humanos que trabalham  nas diversas etapas de processamento do alimento em serviços alimentares (Ex: coleta, obtenção, processamento industrial, manipulação no local de oferta de alimento), passam pelo investimento em adequação nas áreas de armazenamento, processamento e transporte, treinamento em medidas de higienização,  sanitização, métodos de amostragem e avaliação da contaminação de alimentos, e se integram ainda as necessidades de atualização, revisão e aprimoramento das normas, regulamentos técnicos, manuais, resoluções e ações de fiscalização por órgãos competentes.


A abordagem das tóxico-infecções alimentares sob a perspectiva bromatológica proposta neste estudo permite absorver importantes conceitos, levantar questionamentos e conscientizar tanto os profissionais como a população como um todo quanto ao problema de saúde pública em questão. Esta conscientização e a disponibilidade de informações na literatura devem, portanto, orientar medidas e ações que se convertam na redução dos surtos de infecções em humanos e valorização da saúde humana.

ALUNOS: Felipe Ramos e Pamela Rosa

Referências:

ANVISA. Resolução nº 272, de 22 de setembro de 2005. Aprova o REGULAMENTO TÉCNICO PARA PRODUTOS DE VEGETAIS, PRODUTOS DE FRUTAS E COGUMELOS COMESTÍVEIS. D.O.U. - Diário Oficial da União; Poder Executivo, de 23 de setembro de 2005.

ANVISA. Resolução nº 12, de 02 de janeiro de 2001. Aprova o Regulamento Técnico sobre os padrões microbiológicos para alimentos. 

ANVISA. Resolução nº 17, de 30 de abril de 1999. Aprova o Regulamento Técnico que estabelece as Diretrizes Básicas para a Avaliação de Risco e Segurança dos Alimentos. D.O.U. - Diário Oficial da União; Poder Executivo, de 03 de maio de 1999

ANVISA. Resolução nº 216, de 15 de setembro de 2004. Dispõe sobre Regulamento Técnico de Boas Práticas para Serviços de Alimentação.  D.O.U. - Diário Oficial da União; Poder Executivo, de 16 de setembro de 2004

SECRETARIA DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE. Manual Integrado de Prevenção e Controle de Doenças Transmitidas por Alimentos. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_integrado_prevencao_doencas_alimentos.pdf Acesso em 05 de fevereiro de 2016.

BERTÃO, A. M. S.; SARIDAKIS, H. O. Escherichia coli produtora de toxina shiga (STEC): principais fatores de virulência e dados epidemiológicos. Ciências Biológicas e da Saúde: Londrina. 28 (2): 81-92, 2007.

CALDORIN, M., et al. Ocorrência de Escherichia coli produtora de toxina Shiga (STEC) no Brasil e sua importância  em saúde pública. Boletim Epidemiológico Paulista: São Paulo. 10 (110): 4-20, 2013.

NESPOLO, N. M., et al. Ocorrência de Escherichia coli O157:H7 e O26 sorbitol negativas e, matadouro frigorífico de bovino e susceptibilidade a antimicrobianos. Arq. Inst. Biol., 81 (3): 209-217, 2014.


5 comentários:

  1. Conforme diz a publicação, os coliformes fecais estão também, constantemente relacionados com o conceito de segurança alimentar, visando a proteção à saúde da população e a regulamentação dos padrões microbiológicos para os mesmos. Existe uma resolução, regulamentada pela ANVISA que define a concentração de coliformes termotolerantes em cada tipo de alimento, sendo de fundamental importancia para que se previna a saúde da população.
    E para que se confirme a presença dos coliformes fecais, é importante saber que se utiliza o caldo EC (Escherichia coli), por eles serem definidos como coliformes capazes de fermentar a lactose, com produção de gás, no período de 48 horas, a 45,5 ºC.

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  2. As bactérias do grupo dos coliformes são utilizadas em larga escala nas medições microbiológicas que testam a qualidade da água e de alimentos para que as pessoas os consumam sem riscos maiores. Então, considerando a relação diretamente proporcional, quanto maior o índice de presença de coliformes, mais a água ou o alimento está contaminado.
    Existem dois tipos de coliformes: totais e fecais. Os coliformes totais compõem os grupos de bactérias gram-negativas que podem ser aeróbicas ou anaeróbicas, não originam esporos e fermentam a lactose, produzindo ácido e gás à 35/37°C.

    Já os coliformes fecais são também conhecidos como “termotolerantes” por suportarem uma temperatura superior à 40°C. São excretados em grande quantidade nas fezes e normalmente não causam doenças (quando estão no trato digestivo). Neste grupo está presente a bactéria gram-negativa Escherichia coli,abordado no trabalho acima, e ao se ingerir alimentos por ela contaminados, os resultados desagradáveis (como uma gastrenterite, por exemplo) podem ser brandos ou desastrosos, dependendo do grau de contaminação.

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  3. O caso descrito pelo post do trabalho, infelizmente, não se trata de um caso isolado, o que é muito preocupante, ao meu ver, pela contaminação de coliformes fecais ou totais em alimentos ser mais corriqueira que deveria ser. Periodicamente, são publicadas notícias sobre contaminação por E. coli em diversas redes de restaurante, seja na presença de alimentos ou do sistema de água. Algumas mudanças simples e acessíveis são suficientes para evitar esse tipo de situação. As medidas preventivas devem ser reforçadas e instruídas aos funcionários, visto que as contaminações podem ser devido à manipulação inadequada dos alimentos e refrigeração insuficiente, por exemplo. Uma das formas de se determinar a qualidade de um alimento é pelo controle da qualidade analítica. Essa técnica enfoca a abordagem na inspeção, durante a produção do alimento, até a execução de testes físico-químicos, químicos e microbiológicos no produto final. Desta forma, assegura-se a qualidade microbiológica, que tem o objetivo de fornecer alimentos seguros, do ponto de vista higiênico-sanitário.

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  4. É importante lembrar que Coliformes fecais são definidos como coliformes que possuem a capacidade de fermentar a lactose com produção de gás em 48 h a 45ºC. Assim, Escherichia coli, juntamente com algumas cepas como Klebsiella e Enterobacter por exemplo, podem apresentar essas mesmas características. Porém, somente a presença de Escherichia coli em alimentos indica contaminação fecal, por ser encontrada em grande quantidade no trato gastrointestinal do homem e animais como já mencionado. Logo, é incorreta a associação direta da presença de coliformes "termotolerantes" em alimentos e água com contaminação de origem fecal. Este dado levou à ANVISA modificar a denominação clássica de coliformes fecais para coliformes a 45ºC na RDC nº12/2001 que foi mencionada no texto. É evidente que as medidas de controle de qualidade e ações preventivas se fazem necessárias e são as melhores estratégias para garantir alimentos seguros e livre de possíveis contaminantes prejudiciais a saúde.

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  5. Como bem colocado pelos autores redes de fast food assim como redes de restaurantes deveriam estar mais atentas quanto a toda cadeia de processos sobre o alimento, porém mais intensificamente quanto a higienização de alimentos, materiais e processos de manipulação do mesmo de modo a evitar contaminação dos produtos finais e infecção do consumidor. Existem diversas cartilhas educativas disponibilizadas por órgãos sanitários que tem por objetivo evitar a contaminação dos alimentos durante o processo produtivo, sendo assim não há desculpas para esse tipo de falha. A intensificação e rotina dos cuidados com a manipulação de alimentos deveria ser prioridade desses estabelecimentos tendo em vista a saúde do consumidor.

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