Kombucha tradicional vs Kombucha industrializado

Popularização da modulação do intestino através de alimentos probióticos

A busca atual por uma vida saudável faz com que seja cada vez mais frequente o surgimento de produtos com apelos que vão além da nutrição, tais como o emagrecimento. Diante disto o presente texto expõe uma nova forma de apresentação do kombucha, uma bebida tradicional e artesanal cuja utilização promete vários benefícios.

APRESENTAÇÃO

O kombucha é uma bebida fermentada, de origem asiática, obtida pela fermentação de chás cafeinados e que pode ser misturada a sucos de frutas para uma segunda fermentação produtora de gás. Sua fabricação é artesanal e milenar, sendo um probiótico com fortes fundamentos culturais. O conhecimento de sua produção, e os microrganismos envolvidos, são passados de pessoa a pessoa e sempre foi feito artesanalmente. A microbiota fermentadora, que é uma mistura de bactérias acéticas e leveduras de diversos gêneros, é chamada de Scoby (Symbiotic Culture of Bacteria and Yeasts). Os produtores de kombucha costumam fazer a doação de Scoby para novos adeptos da produção, para que estes possam fermentar os chás em suas residências. Atualmente, devido à grande divulgação desta bebida em redes sociais e consequentemente o aumento da procura, já há empresas que fabricam o kombucha em grande escala para comercializar a bebida engarrafada, possibilitando que pessoas que não possuem tempo, ou tato, para produzir seu próprio kombucha, possam ser consumidores também. Seu consumo está aliado a hábitos alimentares mais "naturais" e "saudáveis", já que a bebida não possui qualquer aditivo, somente o chá e os microrganismos benéficos. Entretanto, seria sua industrialização uma descaracterização?

FUNDAMENTOS BROMATOLÓGICOS ANUNCIADOS

Por possuir microrganismos vivos, o kombucha promove a troca gradativa dos microrganismos que colonizam o trato gastrointestinal. A população bacteriana contida no Scoby é prevalentemente do filo Bacterioidetes, que são conhecidas como bactérias benéficas diminuidoras de processos inflamatórios, incluindo alergias. O aumento da população dessas bactérias induz à diminuição de bactérias do filo Firmicutes, que são prevalentemente bactérias patogênicas que provocam infecções gastrointestinais e urinárias e são pró-inflamatórias.

Além disso, o kombucha é rico bioquimicamente com os chamados compostos bioativos, devido à sua base vegetal, dos quais se destacam os compostos fenólicos e flavonóides. Estes atuam reduzindo o risco de alguns cânceres e de doenças cardiovasculares. Nestes chás também são encontrados cafeína, pigmentos, carboidratos, aminoácidos e micronutrientes como vitaminas B, E e C, e minerais como cálcio, magnésio, zinco, potássio e ferro. Hoje em dia já há correlações bem embasadas de que o consumo de kombucha provoca efeitos antimicrobianos, antioxidantes, anti-hiperglicêmicos e anti-hiperlipidêmicos.

Originalmente o kombucha é produzido de forma artesanal. Os próprios consumidores adicionam um Scoby, doado por grupos espalhados por todo o mundo, a chás cafeinados (preto, verde ou mate) e adoçados com uma fonte de glicose (açúcar demerara, mascavo ou mel) e o deixam fermentando em frasco semi-aberto, para manter oxigenado durante o processo, por sete a doze dias. O produto dessa fermentação é então adicionado a sucos de frutas e novamente deixado para fermentar por mais dois dias. Tanto o produto da primeira, quanto o da segunda fermentação podem ser consumidos, dependendo apenas do desejo do indivíduo. A adição de suco de frutas promove a produção de gás na bebida e devido a isto muitos consideram essa bebida como um refrigerante natural, substituindo o refrigerante convencional no seu dia a dia. Como a fermentação desta bebida ocorre em temperatura ambiente em frascos adaptados e a produção de cada chá a ser fermentado varia, muitos fatores não são controlados, portanto a fabricação artesanal promove resultados variados no que diz respeito aos compostos bioativos formados na fermentação.

Em contrapartida, atualmente já há pequenos produtores que fornecem versões engarrafadas de kombucha prontos para consumo, possibilitando o aumento do consumo da bebida por indivíduos que não querem ou não podem produzir seu próprio chá. No processo de fabricação destes, podem ser mantidos parâmetros como temperatura, oxigenação e agitação constantes, pode ser regulada com mais precisão a adição de açúcar e a qualidade e concentração do chá adicionado. O controle desses parâmetros permite maior reprodutibilidade entre os lotes produzidos e o ajuste adequado do processo explora ao máximo a produção de biocompostos.

LEGISLAÇÃO

Como todo produto alimentício comercializado, há regulamentações principalmente nos quesitos de composição nutricional, padrão de rotulagem e padrão microbiológico, que devem ser seguidas. Como a industrialização do kombucha é relativamente recente, no Brasil ainda não há parâmetro específico para estabelecer seu controle. Os microrganismos contidos no mesmo não se encontram na lista de probióticos da ANVISA e a bebida não se enquadra em nenhuma categoria alimentícia da RDC nº 12/2001, que estabelece os padrões de controle microbiológico de diversos alimentos.

Um próximo passo a ser considerado para que o kombucha industrializado seja efetivamente caracterizado como alimento funcional, e se apresente seguro para comercialização, é ter seus parâmetros adequados às resoluções nº 18/1999 e nº 19/1999, que são o Regulamento Técnico que estabelece as diretrizes básicas para análise e comprovação de propriedades funcionais e ou de saúde alegadas em rotulagem de alimentos e o Regulamento Técnico de procedimentos para registro de alimento com alegação de propriedades funcionais e ou de saúde em sua rotulagem, respectivamente. A ANVISA não permite que informações como melhora da imunidade e equilíbrio da flora intestinal sejam adicionados aos rótulos, por falta de comprovação por parte dos produtores através da apresentação de estudos científicos em seus argumentos junto ao órgão.

Devido ao aumento dos produtores da bebida no Brasil, já somando 40 empresas, os mesmos criaram por iniciativa própria a ABKom - Associação Brasileira de kombucha. Um dos objetivos da associação é regulamentar a bebida para que todas as marcas sigam um padrão de qualidade. A coordenação geral de vinhos e bebidas, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento abriu uma consulta pública com a proposta de um padrão de identidade e qualidade para o kombucha, pois não pode haver controle fiscal por parte do órgão sem a padronização. Enquanto isto, por parte da ANVISA não é necessário registro dos chás junto à agência, somente o comunicado de início de fabricação ou importação junto ao órgão local de Vigilância Sanitária.

DISCUSSÃO E CONCLUSÃO

Apesar de a comercialização do kombucha pronto para consumo ser extremamente atrativa, ainda há critérios essenciais a serem esclarecidos para que a distribuição desta bebida seja considerada adequada e segura. Com o aumento da procura por produtos com propriedades que vão além da nutrição, a fim de promover uma melhor qualidade de vida, é viável crer que em pouco tempo haverá regulamentação adequada para alimentos com este fim. O maior desafio para os produtores da versão comercial desta bebida é garantir a segurança ao mesmo tempo em que as características da bebida em sua versão artesanal sejam mantidas, respeitando desta forma a tradição aliada a ela.

REFERÊNCIAS CONSULTADAS

ANVISA. Resolução Nº 18/1999 - Aprova o Regulamento Técnico que estabelece as diretrizes básicas para análise e comprovação de propriedades funcionais e ou de saúde alegadas em rotulagem de alimentos.

ANVISA. Resolução Nº 19/1999 - Aprova o Regulamento Técnico de procedimentos para registro de alimento com alegação de propriedades funcionais e ou de saúde em sua rotulagem. 

ANVISA. RDC Nº 12/2001 – Aprova o Regulamento técnico sobre padrões microbiológicos para alimento. ANVISA. Alimentos Funcionais. Link: http://portal.anvisa.gov.br/resultado-de-busca?p_p_id=101&p_p_lifecycle=0&p_p_state=maximized&p_p_mode=view&p_p_col_id=column-1&p_p_col_count=1&_101_struts_action=%2Fasset_publisher%2Fview_content&_101_assetEntryId=2866855&_101_type=content&_101_groupId=219201&_101_urlTitle=alimentos-funcionais&inheritRedirect=true. Acesso em: 23/05/2018.

ANVISA. Probióticos. Link: http://portal.anvisa.gov.br/resultado-de-busca?p_p_id=101&p_p_lifecycle=0&p_p_state=maximized&p_p_mode=view&p_p_col_id=column-1&p_p_col_count=1&_101_struts_action=%2Fasset_publisher%2Fview_content&_101_assetEntryId=2864062&_101_type=content&_101_groupId=219201&_101_urlTitle=probioticos&inheritRedirect=true. Acesso em: 23/05/2018.

PALUDO, NATÁLIA. Desenvolvimento e caracterização de kombucha obtida a partir de chá verde e extrato de erva-mate: processo artesanal e escala laboratorial. Trabalho de Conclusão de Curso. Graduação em Engenharia de Alimentos. Instituto de Ciência e Tecnologia de Alimentos. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2017.

SANTOS, MAFALDA JORGE. Kombucha: caracterização da microbiota e desenvolvimento de novos produtos alimentares para uso em restauração. Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em Ciências Gastronómicas. Facudades de Ciências e Tecnologia, Universidade de Nova Lisboa. Março, 2016.

ZAREMBA, JÚLIA. Produtores investem na venda de kombucha, a bebida da moda. Link:. Acesso em 24/05/2018.