Ciclamato de Sódio: Mocinho ou Vilão?
O ciclamato de sódio é amplamente
utilizado nas indústrias farmacêuticas e de alimentos como edulcorante.
Entretanto, seu uso é proibido em diversos países, diferentemente no Brasil. O
ciclamato de sódio é o mocinho ou vilão nessa história? Leia mais.
INTRODUÇÃO
O
ciclamato, também identificado na indústria alimentícia com a sigla E 952, é
amplamente utilizado nas indústrias farmacêuticas e de alimentos como
edulcorante. Edulcorantes são substâncias de baixo ou inexistente valor
energético que proporcionam a um alimento o gosto doce. O uso do ciclamato,
principalmente na sua forma de sal, vem sendo amplamente usado em adoçantes e
em bebidas "zero", como a Coca-cola zero. Porém, o uso desse
edulcorante é condenado e considerado ilegal em diversos países, como Estados
Unidos e Canadá pelo efeito cancerígeno atribuído a seu principal metabólito, a
ciclo-hexilamina. No Brasil, entretanto, o edulcorante ciclamato de sódio pode
ser comercializado dentre os limites máximos para aditivos alimentares
estabelecidos pelo Comitê FAO/OMS de
Especialistas em Aditivos Alimentares (Jecfa) após avaliação toxicológica.
FUNDAMENTOS BROMATOLÓGICOS
O
Ciclamato de Sódio, sal do ácido N-ciclo-hexil-sulfâmico (CHS), é usado como
adoçante artificial não calórico em diversos alimentos e bebidas, e na
indústria farmacêutica. É um adoçante artificial 35 vezes mais doce do que o
açúcar. Por ser mais estável que o
aspartame e a sacarina, pode ser levado a altas temperaturas, porém ele deixa
um gosto muito amargo na boca.
O ciclamato de sódio é
biotransformado no intestino a cicloexilamina, derivado que pode apresentar
efeitos adversos à saúde. Cerca de 37% do composto ingerido são absorvidos sem
sofrer biotransformação hepática, graças à sua alta hidrossolubilidade. A
fração não absorvida fica disponível na luz intestinal e sob ação da flora
bacteriana local transforma-se em cicloexilamina em uma razão de conversão de
30%. Sua remoção do organismo na forma inalterada dá-se quase que totalmente
pela urina. A taxa de conversão de ciclamato a cicloexilamina varia entre
indivíduos, não sendo constante ou previsível, e depende aparentemente da flora
intestinal. Entre muitos voluntários testados, a maior parte apresentou habilidade
limitada de converter ciclamato (<1%) e um pequeno grupo mostrou-se capaz de
converter até 60% do ciclamato ingerido. Além disso, ambos, Ciclamato e ciclohexilamina, podem ser
transportados pela barreira placentária e desse modo podem ser expostos ao
feto. De acordo com Pitkin et al., os
ciclamatos atravessam a placenta e, na circulação fetal, alcançam 1/4 da
concentração materna, sendo encontrados, de preferência, no fígado e nos rins.
DISCUSSÃO
O ciclamato foi descoberto em 1937 e
aprovado como aditivo alimentar, na função de edulcorante, pela U.S. Food and Drug
Administration (FDA) em 1949. No Brasil, essa substância começou a ser
produzida em 1977.
A proibição do ciclamato nos Estados Unidos
veio após a divulgação em
1967 de um estudo feito com várias gerações de ratos que começou com 70 ratos
que foram alimentados com ciclamato e sacarina em uma proporção de 10:1 por
dois anos. Os ratos receberam doses que iam de 500 mg/kg a 2.500 mg/kg. Uma
dose de 500 mg/kg equivale a aproximadamente 30 copos de refrigerante, de
acordo com um artigo de 2004 publicado pelo autor principal M.R. Weihrauch em
"Annals of Oncology". Ao final de dois anos, 12 dos 70 ratos que
receberam a dose de 2.500 mg desenvolveram câncer de bexiga. Depois desse
resultado, o Departamento de Saúde, Educação e Bem-Estar removeu a substância
da lista GRAS (Generally Regarded As Safe) de alimentos que se acredita serem
seguros para o consumo humano, o que resultou em seu banimento dos Estados
Unidos. Os estudos com humanos nos países em que o ciclamato ainda está
disponível não mostraram resultados negativos definitivos em usuários de
ciclamato que, é claro, não estão tomando as doses enormes que os ratos
tomavam.
Desde a década de 60, tanto
ciclamato quanto o seu metabólito cicloexilamina foram testados extensamente em
muitos animais quanto a possíveis efeitos tóxicos, incluindo mutagenicidade e
genotoxicidade, não tendo sido demonstrada qualquer toxicidade significativa
destes compostos, com exceção do fenômeno de atrofia testicular, associado à
cicloexilamina. Existem, no entanto, dúvidas quanto à relevância deste efeito
tóxico para a saúde humana, considerando-se as altas doses necessárias para a
sua manifestação e a baixa capacidade do homem de converter ciclamato a
cicloexilamina. A toxicidade a curto prazo também tem sido estudada sem, porém,
mostrar efeitos significativos.
Em 1999 o ciclamato foi classificado pela Agência
Internacional de Pesquisa sobre Câncer (Iarc) como pertencente ao Grupo 3, isto
é, não carcinogênico para humanos. Segundo a Iarc, “há evidência inadequada em
animais de laboratório e em humanos para a carcinogenicidade de ciclamatos”.
Estudos feitos na University of
Southsmpton, no Reino Unido, mostraram que ratos que receberam ciclohexilamina
desenvolveram atrofia testicular após receber 400mg/kg durante três semanas,
porém o mesmo não aconteceu com camundongos. Outro estudo foi realizado com 18
trabalhadores, incluindo quatro com alto índice de exposição à ciclohexilamina,
apenas um possuía contagem e mobilidade espermática normais, de acordo com a
OMS. Entretando, como os homens estavam expostos a outros fatores, como
cigarro, álcool, altas temperaturas, não foi possível validar esse estudo pela Comissão
Européia em 2010.
LEGISLAÇÃO
As normas brasileiras que determinam
os limites máximos de aditivos alimentares são elaboradas com base em
referências internacionais, como o Codex Alimentarius (Norma Geral de Aditivos
Alimentares – GSFA), a União Européia e, de forma complementar, a U. S. Food
and Drug Administration (FDA). Além disso, por acordo firmado no Mercosul,
somente aditivos que constam da Lista Geral Harmonizada – Resolução GMC n.
11/2006 – podem ser autorizados pelos Estados Partes, incluindo Brasil. O uso
de ciclamato está previsto na GSFA, considerada a principal referência, e em
Diretiva da UE, bem como na Lista Geral Harmonizada de Aditivos do Mercosul.
Para
aprovação de limites máximos para aditivos alimentares são considerados os
valores da Ingestão Diária Aceitável (IDA) estabelecidos para os aditivos pelo
Comitê FAO/OMS de Especialistas em Aditivos Alimentares (Jecfa) após avaliação
toxicológica, e também é considerada a ingestão estimada dos aditivos pelo
consumo de alimentos.
A última
avaliação do edulcorante ácido ciclâmico e seus sais de sódio e cálcio (INS 952)
realizada pelo Jecfa aconteceu em 1982, em que foi estabelecida a IDA de 11
mg/kg p.c. Isso significa que uma criança de 30 kg poderia consumir diariamente
no máximo 330 mg de ciclamatos e um adulto de 60 kg poderia ingerir até 660 mg.
legislação brasileira que aprova o uso de
aditivos alimentares é positiva e, como tal, estabelece que um aditivo somente
pode ser utilizado pela indústria alimentícia quando estiver explicitamente
definido em legislação específica, com as respectivas funções, limites máximos
de uso e categorias de alimentos permitidas. O que não constar da legislação,
não tem permissão para ser utilizado em alimentos.
A Portaria SVS/MS n. 540, de 27 de
outubro de 1997, aprova o Regulamento Técnico sobre aditivos alimentares,
estabelecendo suas definições, classes funcionais e critérios de uso. De acordo
com o item 2.4 da Portaria 540/1997, o emprego de aditivos em alimentos
justifica-se por razões tecnológicas, sanitárias, nutricionais ou sensoriais,
desde que suas concentrações totais não superem os valores de IDA estabelecidos
pelo Jecfa. O item 3.7 dessa Portaria prevê a utilização de aditivos na função
de edulcorantes, ou seja, substâncias diferentes dos açúcares que conferem
sabor doce ao alimento.
A Resolução RDC n. 18, de 24 de março
de 2008, dispõe sobre o emprego de edulcorantes em alimentos, estabelecendo
seus limites máximos expressos em g/100g ou g/100mL do produto pronto para
consumo. De acordo com essa legislação, o uso de edulcorantes somente é
justificável para alimentos em que houve redução parcial ou total de açúcares.
Sendo assim, a RDC 18/2008 aprova a utilização de edulcorantes em alimentos e
bebidas para dietas com ingestão controlada de açúcares, para dietas com
restrição de açúcares, para controle de peso e com informação nutricional
complementar.
A legislação anterior – Resolução
RDC n. 3/2001 – aprovava o limite máximo de 1300 mg/kg para ciclamato em
alimentos. Resultados da estimativa da Ingestão Diária Máxima Teórica (IDMT)
desse aditivo, realizada pela Gerência Geral de Alimentos da Anvisa com dados
de aquisição familiar de alimentos disponibilizados pelo IBGE (POF 2003), e de
estudo realizado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) por meio da
aplicação de questionário sobre consumo de alimentos a alguns indíviduos,
indicaram que há possibilidade de que o valor da IDA seja ultrapassado por
pessoas que consomem somente alimentos dietéticos, os quais podem conter o
edulcorante. Portanto, com a publicação da RDC 18/2008, que revoga a RDC
03/2001, o limite máximo de ciclamato foi reduzido de 1300 mg/kg para 400
mg/kg, que era o mesmo limite autorizado pela Comunidade Européia (Diretivas
94/35/CE e 2003/115/CE) para várias categorias de alimentos, e menor que os
limites definidos na GSFA/ Codex Alimentarius.
De acordo com a União Europeia, o
uso de ciclamato de sódio como aditivo alimentar é permitido desde que obedeça
os mesmos parâmetros de IDA estabelecidos pelo Jecfa.
Atualmente, o uso de ciclamato de
sódio é não é considerado seguro pelo FDA, e seu status de GRAS (Generally
Recognized as safe) foi removido da lista de status de aditivos alimentares,
sendo seu uso banido e ilegal.
CONCLUSÃO
Com base nos estudos de utilização
de ciclamato de sódio e seus efeitos, pode-se concluir que os resultados
obtidos não são suficientes para proibir o consumo desse aditivo alimentar em
países como Brasil e Reino Unido, desde que o uso esteja em conformidade com o
valor de referência estabelecido pela ANVISA, que é de 11mg/kg p c. Entretanto,
mesmo com diversos estudos com ciclamato, o seu uso ainda é controverso, sendo
banido e considerado ilegal nos Estados Unidos.
Ainda que o consumo de ciclamato em
alimentos seja permitido no Brasil, deve-se ter cautela com o seu uso quando se
trata de grupos de risco, como gestantes, crianças e idosos. Por isso,
informações como % do valor diário, quantidade de ciclamato de sódio nos
produtos, bem como seu limite máximo e restrições de uso deveriam ser exigidas
pelo órgão regulador e descritas na
rotulagem dos alimentos.
REFERÊNCIAS
http://www.idec.org.br/uploads/revistas_materias/pdfs/197-edulcorantes1.pdf
Medicamentos líquidos e mastigáveis costumam ter sabor desagradável, sendo necessário combinar vários adoçantes no mesmo produto para contornar esse inconveniente. Os edulcorantes mais usados pela indústria farmacêutica são a sacarose (açúcar), seus substitutos artificiais (sacarina sódica, ciclamato de sódio e aspartame) e o sorbitol .
ResponderExcluirA sacarose tem baixo custo, não deixa gosto residual e pode agir como conservante e antioxidante, além de melhorar a viscosidade dos medicamentos líquidos, porém tem como desvantagens a cristalização durante a estocagem do medicamento e a restrição ao uso por pacientes diabéticos .
Já o aspartame, o ciclamato de sódio e a sacarina sódica podem induzir reações de hipersensibilidade, manifestadas por urticária, prurido e angioedema.
Os ciclamatos podem causar fotossensibilização, eczema e dermatites. Eles não são mais utilizados como edulcorantes nos EUA desde a década de 1970, por determinação da “Food and Drug Administration” , devido ao potencial carcinogênico em animais de laboratório, embora não tenha sido comprovada a relação entre o uso de ciclamatos e o aparecimento de câncer em seres humanos.
O aspartame pode provocar acidose tubular renal quando consumido em grande quantidade. Seu uso é contra-indicado nos pacientes com fenilcetonúria, pois possui fenilalanina.
O sorbitol pode causar diarréia osmótica - geralmente acompanhada de flatulência e dor abdominal, prejudicando a absorção do princípio ativo do medicamento.
Referência: Balbani, A. P. S.; Stelzer, L. B.; Montovani, J. C. - Excipientes de medicamentos e as informações da bula – Revista Brasileira de Otorrinolaringologia 72 (3) Maio / Junho 2006