É possível encontrar no mercado alguns produtos que se apresentam de uma forma, mas se enquadram em uma classificação diferente. Por isso questionamos: é seguro confiar na ideia que as aparências transmitem ao consumidor?
DESCRIÇÃOO produto alimentício DHAlga cujo registro M.S.6.7089.0016.001-5 foi deferido na resolução da ANVISA RE n° 3.193 de 7 de dezembro de 2017, é classificado como “novo alimento”. A proposta desse produto é atender às necessidades diárias de ingestão recomendadas a um indivíduo para o nutriente ômega 3. A apresentação do DHAlga é em forma líquida com instruções que indicam uma porção diária recomendada.
Ele é um produto que oferece a proposta de aporte nutricional e carrega uma imagem com referência visual a medicamentos. É classificado exclusivamente como alimento e cumpre as exigências da Anvisa quanto ao rótulo. O fabricante não apresenta qualquer tipo de alegação de que promove algum efeito ou de que tem eficácia comprovada, mas adota uma aparência já consolidada no mercado que remete à uma interpretação diferente.
FUNDAMENTOS BROMATOLÁGICOS
Os ácidos ômega-3 são uma classe de ácidos graxos polinsaturados que desempenham um papel importante no organismo. O ácido alfa linolênico (ALA; 18:3), o ácido eicosapentanoico (EPA; 20:5) e o ácido docosahexaenoico (DHA; 22:6) são os ácidos que constituem esse grupo. Dentre as maneiras de obtenção desses ácidos temos as microalgas Schizochytrium sp., que representam uma fonte alternativa para obtenção de ômega-3 e é a forma utilizada pelo produto DHAlga.
Para esse produto cuja proposta é oferecer uma fonte diária de ômega 3, em 2ml de DHAlga são oferecidos 2mg de ácido eicosapentanoico e 200mg de ácido docosahexaenoico. Essa informação é fornecida pelo fabricante na tabela nutricional, mas não é acompanhada de um valor de referência para ingestão diária recomendada.
Figura 2: Imagem da tabela nutricional disponível no rótulo do produto DHAlga.
LEGISLAÇÃO
A ANVISA é o órgão responsável por regulamentar o setor alimentício, desde a produção até a comercialização dos produtos. Os alimentos podem ser divididos entre os que precisam de registro e os que estão isentos. Essa categorização é feita de acordo com a classificação do alimento e está disponível na RDC n° 27 de 6 de agosto de 2010.
Assim como no setor alimentício, a ANVISA também é responsável por regular o setor de medicamentos, o que engloba o registro desses produtos, cujas exigências estão descritas na RDC n° 200 de 26 de setembro de 2017. Apesar de serem parecidos, ambos os processos de registro têm particularidades e diferentes requisitos.
Além do preço pago pelo registro, as exigências previstas na regulamentação diferem em muitos pontos. Vamos destacar nesse momento uma diferença principal: para medicamentos há exigência de estudos que comprovem a eficácia do produto oferecido, já para alimentos não é exigida essa condição.
Apesar da classificação como produto alimentício, o DHAlga tem uma apresentação que é característica de outra categoria. Toda a embalagem e imagem do produto são elaboradas de modo a reproduzir a identidade visual padrão, já conhecida pelo consumidor, dos medicamentos. Ele tem inclusive um folheto anexo com instruções, o que pode fazer uma referência à bula.
O uso dessa estratégia pode ser uma tática de marketing adotada para fazer uma referência à imagem dos medicamentos. Dessa forma o fabricante consegue criar um laço entre o produto dele e a reputação consolidada pela categoria a qual se refere: qualidade e eficácia. Será então que o consumidor pode confiar nas apresentações e se guiar pelas aparências no mercado?
O principal problema nessa prática é que existe uma grande diferença entre medicamentos e alimentos e ela fica camuflada para o consumidor. Falando especificamente da legislação, não é uma exigência que fabricantes de alimentos apresentem estudos que comprovem alguma eficácia. Sendo assim, o consumidor não tem garantia de que o produto é de fato eficaz.
Não é legalmente reconhecido como infração fazer uso dessa estratégia de marketing, mas ao adotar essa postura o fabricante consegue alguma vantagem no comércio. Isso porque o produto passa então a transmitir segurança e comprometimento, ambos consolidados no mercado pelos medicamentos, sendo promovido um produto que não tem eficácia garantida.
No caso do DHAlga, por exemplo, o consumidor não pode ter certeza se realmente o ômega-3 presente no produto terá uma boa absorção e conseguirá ter alguma atuação metabólica, já que não há exigência de estudos que comprovem a efetividade. Sendo assim, comprar pela intuição que a imagem transmite não seria confiável.
É responsabilidade do órgão regulamentador cuidar e fiscalizar a comercialização desses produtos. Essa prática não está impedida pela legislação, mas oferece um risco ao consumidor. Isso porque é usada a imagem de um produto consolidado para promover um outro, de modo que o consumidor seja persuadido e influenciado a acreditar da veracidade do produto camuflado.
CONCLUSÃO
O consumidor precisa estar atendo às informações descritas na embalagem e tudo o que elas significam. O produto DHAlga segue as exigências e tem no rótulo todas as informações previstas pela regulamentação da ANVISA, mas ainda assim pode causar confusão. O ponto principal é estar atendo ao que as informações representam, porque não é claro para muitos o que cada uma delas simboliza.
As normas que regulam o mercado alimentício e o setor de medicamentos têm como objetivo zelar pela segurança do consumidor e garantir as condições de competitividade comercial. Se o consumidor está sujeito a essa estratégia, que pode ser prejudicial, mesmo com os fabricantes seguindo o que está previsto, seria interessante que as autoridades revessem esses pontos na legislação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
- AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. Resolução RDC n° 200 de 26 de setembro de 2017.
- AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. Resolução RDC nº 259 de 20 de setembro de 2002.
- AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. Resolução RDC n° 27 de 6 de agosto de 2010.
- AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. Resolução RE nº 3.193, DE 7 DE DEZEMBRO DE 2017.
- FERREIRA P. S., SOUZA-SOARES L. e COSTA V. A. J. Review: microalgae: an alternative source to obtain essential fatty acids. Rev. de Ciências Agrárias vol.36 no.3 Lisboa jul. 2013.
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