A
cerveja é uma das bebidas mais antigas conhecidas, e é produzida a partir da
fermentação de grãos de cevada e lúpulo por Saccharomyces
cerevisiae. Ao redor do mundo, indivíduos adotam como "hobbie",
atividade de lazer em seu tempo livre, a produção artesanal de cerveja,
produzindo esta em sua própria residência, seguindo instruções e guias
encontrados facilmente na internet. Estes guias incluem não apenas o próprio
processo fermentativo, mas também misturas de grãos e outros ingredientes
possíveis para conter o chamado mosto, que sofrerá fermentação para a obtenção
de cervejas com diferentes aspectos de sabor e odor, e alguns equipamentos
necessários. Entretanto, ao contrário da produção industrial de bebidas
alcoólicas, a produção artesanal não é fiscalizada e nem preparada para a
remoção do metanol, que pode se formar durante o período de fermentação, devido
o nível técnico e custo dos equipamentos necessários.
Casos
graves
Noticias ao redor do mundo apontam
casos de intoxicação e morte pela ingestão de bebidas alcoólicas produzidas de
forma clandestina e/ou artesanal contaminadas com metanol.
Há casos de detentos em presídios
que produziram bebidas alcoólicas para consumo próprio dentro das selas. Também
há relatos de cidadãos russos que morreram ao ingerir doses letais de metanol
contido em vodka produzida irregularmente em suas residências. Na Ásia, África
e América do Sul há aumento do número de casos de contaminação em bebidas
produzidas por meio de fermentação por povos nativos. Quase anualmente, na
Índia há casos de intoxicação e morte por ingestão acidental de metanol. Em
2012, 38 pessoas na República Tcheca e 4 pessoas na Polônia vieram a óbito e
dezenas necessitaram de hospitalização. Em 2002, Davis e colaboradores
levantaram que, nos Estados Unidos, entre 1993 e 1998, ocorreu uma média de
2254 casos de intoxicação por metanol por ano, sendo que, por ano, uma média de
167 casos tiveram consequências moderadas, graves ou desfecho fatal.
Legislação
A concentração de etanol é regulamentada
para cada tipo de bebida alcoólica e, segundo a Portaria Nº 8, de 17 de janeiro
de 2014, do Ministério da Agricultura e Abastecimento, para a cerveja, o teor
alcoólico deve ser superior a 2,0% v/v. Podem haver variantes, a serem
classificadas como cerveja concentrada (teor alcoólico superior a 7,0% v/v), e cerveja
sem álcool (teor alcoólico inferior a 0,5% v/v), por exemplo.
Entretanto, a contaminação por
metanol não é medida diretamente, sendo evitada por meio da garantia da esterilidade
de todos os equipamentos e matérias-primas envolvidos na produção da cerveja
antes do começo dos respectivos processos; e por meio da caracterização da cepa
de S. cerevisiae a ser adquirida e
empregada pela indústria, por meio de métodos moleculares como reação em cadeia
da polimerase (PCR), e DNA fingerprint,
que analisam o material genético das leveduras.
Fundamentos
bromatológicos
O etanol, ou álcool etílico, é o
principal produto da fermentação por S.
cerevisiae dos carboidratos presentes na mistura que origina a cerveja, à
exceção de gás carbônico. Isto ocorre porque estas leveduras apresentam
metabolismo aeróbico facultativo, isto é, na presença de oxigênio a glicose é
captada e oxidada, com objetivo de produção de energia para o metabolismo
destes microorganismos, sendo gás carbônico o produto final. Em condições de
anaerobiose, ou no caso de S. cerevisiae,
mesmo em presença de oxigênio mas com alta concentração de açúcares, como
sacarose ou glicose, estes substratos são consumidos na fermentação alcoólica,
isto é, forma-se etanol, que é liberado para o meio extracelular.
Já o metanol pode se formar quando
há contaminação das misturas em tanques de fermentação por outros
microorganismos que não S. cerevisiae,
e o metabolismo destas outras espécies pode levar à formação deste álcool como
subproduto; ou quando há presença de pectina durante o período de fermentação
da bebida.
Pectinas são carboidratos presentes
principalmente em frutas, como maçã, uva e maracujá e cascas de frutas
cítricas, mas também em outras estruturas vegetais em menor quantidade, como
batata, beterraba e algumas sementes e grãos. São açúcares caracterizados por
unidades repetitivas de ácido galacturônico, que podem ser metoxilados, isto é,
ter as hidroxilas (-OH) substituídas por grupos metóxi (-OCH3), que
podem ser alvo de hidrolases, enzimas necessárias à quebra das ligações
glicosídicas de carboidratos por microorganismos, levando à formação de metanol
de forma direta, ou ainda serem substrato para obtenção de energia dos
microorganismos, podendo levar à formação de metanol como subproduto.
Pectina pode estar presente devido a
má higienização dos equipamentos utilizados no preparo das bebidas alcoólicas
que entraram em contato com frutas anteriormente, ou por meio da adição
intencional de materiais de origem vegetal, principalmente frutas, como
matéria-prima para o preparo de bebidas alcoólicas ou para adição de características
de odor e sabor às bebidas.
Discussão
A contaminação por metanol é
imperceptível a quem consome a bebida, pois é muito similar ao etanol sob o
aspecto organoléptico, isto é, cor, sabor e odor, entretanto, sua metabolização
no corpo humano leva à formação de produtos mais tóxicos que os formados a
partir do álcool etílico, dentre estes o formol e o ácido fórmico. Com isso, é
capaz de causar intoxicação aguda de maior gravidade, além de ser mais
lipossolúvel, atravessando mais facilmente as membranas biológicas, por exemplo
a barreira hematoncefálica e a barreira placentária, chegando respectivamente
ao sistema nervoso central e ao feto, causando complicações maiores que o
etanol.
Conclusão
Como as explicações mais aceitas
para a origem da contaminação por metanol são a contaminação da mistura sob
fermentação com microorganismos que não S.
cereviseae e a contaminação da mesma mistura com pectina, a produção
artesanal de bebidas alcoólicas é altamente desaconselhável, pois nem estes
dois tipos de contaminação e nem a presença de metanol no produto final seriam
detectadas, podendo levar todos que ingerirem a bebida a óbito.
Referências
The
Metabolism and Molecular Biology of Saccharomyces
cerevisiae. Taylor & Francis Group, 2004. Philadelphia, USA.
<http://www.abc.net.au/health/features/stories/2013/09/10/3845522.htm>,
acessado em 02/04/2017.
<http://homedistiller.org/intro/intro>,
acessado em 02/04/2017.
<http://www.motherearthnews.com/real-food/fermenting/home-brewing-zmaz88jfzgoe>,
acessado em 02/04/2017.
Food
Ingredients Brasil, nº 29, páginas 46 a 53. 2014. Disponível em
<http://www.revista-fi.com/materias/380.pdf>, acessado em 02/04/2017.
Portaria Nº 8, de 17 de janeiro de 2014,
do Ministério da Agricultura e Abastecimento Disponível em <http://www.lex.com.br/legis_25243029_PORTARIA_N_8_DE_17_DE_
JANEIRO_DE_2014.aspx>, acessado em 06/05/2017.
Davis LE, Hudson D, Benson BE, Jones Easom LA, Coleman JK. Methanol poisoning
exposures in the United States: 1993-1998. Jounal of
Toxicology: Clinical Toxicology. 40 (4): 499-505, 2002.
CARVALHO,
G.B.M., BENTO, C.V., ALMEIDA e SILVA, J.B. Elementos biotecnológicos
fundamentais no processo cervejeiro: 1ª. Parte- As leveduras. Revista
Analytica, v.25, p.36 - 42, 2006.
CARVALHO,
G.B.M., ROSSI, A.A., ALMEIDA e SILVA, J.B. Elementos biotecnológicos fundamentais
no processo cervejeiro: 2ª. parte, A fermentação. Revista Analytica, v.26, p.46
- 54, 2007.
Fake!
ResponderExcluirhttps://www.howtohomebrewbeers.com/2018/03/methanol-brewing-risks.html
Talvez seja por vc não saber ler inglês. Leia de novo e veja o que e como está escrito.
Excluir"So from that perspective, there's NO RISK of making a beer batch of methanol and going blind. It's more likely that you will just get blind drunk or meet Darth Vader!!
ExcluirThere are however some genuine risks if one is distilling alcohol - backyard operations can indeed produce batches where the methanol content can be lethal (or more sinisterly methanol is added deliberately and sold on the bootleg market). It's for this reason, most countries in the world have made the distillation of spirits illegal - plenty of stills can be bought on Amazon though!"