Apresentação

Espaço para a apresentação e análise de estudos e pesquisas de alunos da UFRJ, resultantes da adoção do Método de Educação Tutorial, com o objetivo de difundir informações e orientações sobre Química, Toxicologia e Tecnologia de Alimentos.

O Blog também é parte das atividades do LabConsS - Laboratório de Vida Urbana, Consumo & Saúde, criado e operado pelo Grupo PET-SESu/Farmácia & Saúde Pública da UFRJ.Nesse contexto, quando se fala em Química e Tecnologia de Alimentos, se privilegia um olhar "Farmacêutico", um olhar "Sanitário", um olhar socialmente orientado e oriundo do universo do "Consumerismo e Saúde", em vez de apenas um reducionista Olhar Tecnológico.

sexta-feira, 9 de junho de 2017

A polêmica da farinha de trigo: a adição de ferro deu certo?


A farinha de trigo, produzida a partir da moagem do endosperma dos grãos de trigo, é um dos alimentos principais da cesta básica do brasileiro, presente em pães, macarrão, bolos, biscoitos e diversos outros alimentos. Devido ao seu grau de importância na dieta nacional, é um alimento alvo para diversas modificações, como a fortificação ou enriquecimento de ferro na farinha de trigo, que é a adição de nutriente ao alimento como estratégia de melhoramento da qualidade dos alimentos disponibilizados à população de forma universal, com baixo custo e curto/médio prazo.



Há quase quinze anos, o Ministério da Saúde tornou obrigatória a fortificação com ferro em farinhas de trigo e de milho, no Brasil. A obrigatoriedade da fortificação de farinhas de trigo e de milho surgiu a partir da constatação da alta prevalência no país de anemia ferropriva, que é a anemia causada por deficiência de ferro. No Brasil, a anemia ferropriva atinge por volta de 30% a 69% dos pré-escolares e cerca de metade da população.
Após várias pesquisas bem-sucedidas em outros países com alimentos fortificados com ferro no combate a anemia ferropriva, o governo brasileiro decidiu pelo enriquecimento das farinhas de trigo e milho com o mineral, pois além de serem consumidas em todas as regiões do país e estarem presentes na cesta básica, há também o fato das farinhas serem produzidas de forma centralizada, por um número reduzido de empresas, o que facilitaria o processo de enriquecimento e a fiscalização do produto. Mas será que após todos estes anos os dados comprovam a eficácia da estratégia?


Legislação
Segundo a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) n°344, de 2002 os compostos de ferro de grau alimentício a serem utilizados são sulfato ferroso desidratado, fumarato ferroso, ferro reduzido e ferro eletrolítico, etilenodiaminotetraacetato (EDTA) de ferro e sódio e ferro bisglicina quelado. Sendo a quantidade de 4,2 mg de ferro/100 g de farinha, que equivale a 30% da IDR (Ingestão Diária Recomendada) desse mineral, e desta forma o produto fortificado pode ser considerado “rico em ferro”.

Fundamentos Bromatológicos
O objeto de estudo será a farinha de trigo enriquecida da marca Rosa Branca, que apresenta bastante inserção no mercado, devido principalmente ao preço acessível. O produto descrimina em seu rótulo os seguintes ingredientes: Farinha de trigo enriquecida com ferro e ácido fólico, glúten, e alerta para possível presença de soja, aveia, centeio e cevada. Possui embalagem plástica de 1 kg, com partes transparentes no qual observa-se grãos finos de coloração branca.



Na figura, a f
arinha de trigo da marca Rosa Branca apresenta rótulo que indica 2,1 mg de Ferro em 50 g do produto, que se encontra em acordo com as resoluções da Anvisa de março de 2001: RDC n.º 39 – Tabela de Valores de Referência para Porções de Alimentos e Bebidas Embalados para Fins de Rotulagem Nutricional e RDC n.º 40 – Regulamento Técnico para Rotulagem Nutricional Obrigatória de Alimentos e Bebidas Embalados. 
Cumpre os requisitos obrigatórios descrevendo: denominação do produto, lista de ingredientes, conteúdo líquido, identificação da origem, instruções de preparo (quando necessário), prazo de validade e lote. 
Contudo não descreve a utilização de aditivos, dando a entender que não possui estabilizantes ou conservantes na formulação, o que pode estar em desacordo com o Informe técnico n.º 70  da Anvisa de 19 de janeiro de 2016.

Discussão

Na Consulta Pública nº 80, de 13 de dezembro de 2004 a ANVISA determina a quantidade de ingestão de ferro em mg/ dia recomendada em:

Lactente: 0,3 -  9 / Crianças; 6 -9  (varia conforme faixa etária)
Adultos: 14 / Gestante: 27/ Lactante: 15

E segundo a tabela de composição de alimentos da USDA, sabe-se que:
-          1 pão francês (38 g): 1,03 mg de ferro
-          1 porção de macarrão (100 g): 1,28 mg de ferro
-          1 fatia de bolo (100 g): 1,95 mg de ferro
-          1 porção de biscoito de maisena (100 g): 1,8 mg de ferro

Supondo que todos estes alimentos foram consumidos em um dia, ao somar a quantidade de ferro destes produtos alcança-se 6,06 mg de ferro, que dependendo da faixa etária não atinge o valor mínimo estabelecido. Pois é sabido que essa adição não substitui a suplementação com ferro em uma dieta adequada, composta por vegetais, carnes e cereais.
Porém, deve-se também levar em consideração a atual tendência brasileira de distúrbios e compulsão alimentar, principalmente por “junk foods” ricos em farinha e trigo.
E esse consumo exacerbado junto a suplementação a longo prazo, pode acarretar em efeitos adversos como aumento das reservas orgânicas de ferro, com risco de acúmulo, levando o organismo à intoxicação aguda ou crônica. Bem como hipervitaminose, que pode causar lesões hepáticas, úlceras, vômitos, diarreias e choque hipovolêmico..
O panorama atual revela diversos estudos que mostram que mesmo com o programa, as prevalências se mantiveram elevadas, sobretudo nas porções de população com menor poder socioeconômico, possivelmente em decorrência de problemas nas políticas públicas, onde parte da população só consegue fazer uma refeição por dia. E embora não haja um levantamento oficial, pesquisas em diferentes regiões do país apontam resultados fracassados da fortificação, com persistência na prevalência de anemia ferropriva.
Tais estudos apontam que uma das entraves na fortificação de alimentos com ferro, é a baixa biodisponibilidade do ferro empregado. Biodisponibilidade é a fração de um composto ingerida, absorvida e transportada para o local metabólico de ação no organismo. Logo, nem todos os compostos de ferro são considerados biodisponíveis, porque a fração absorvida de alguns é praticamente nula, como é o caso dos mais populares e financeiramente acessíveis para as indústrias.
Além disso existem estudos como o realizado em Campinas por Thaís Rezende Boen et al., da Pontifícia Universidade Católica, em que foram analisadas três diferentes marcas de farinha no qual demonstraram a ausência de compromisso das empresas para obter um processo homogêneo e contínuo de adição do composto de ferro para a farinha. Pois foi verificado muitos erros e diferenças nos níveis de fortificação podem ser vistos, algumas marcas bem acima e outras inclusive abaixo do valor estabelecido.
O que demonstra falha na fiscalização, e reforça o questionamento de benefícios aos produtores de ferro, visto que passaram a vender mais de seu produto com a nova regra.
Contudo é importante ressaltar que os requisitos para o enriquecimento de farinhas de trigo e de milho com ferro e ácido fólico foram atualizados. A Anvisa publicou a resolução-RDC N° 150, de 13 de abril de 2017 que atualiza as regras, e os fabricantes têm 24 meses para adequação das novas regras.
O regulamento baseia-se nas diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS) e prevê quantidades mínimas de ferro e ácido fólico para cada uma das farinhas. Pelas novas regras, os fabricantes estão obrigados a enriquecer as farinhas de trigo e de milho com 4 a 9 mg de ferro para cada 100g de farinha.
E conjuntamente, também foram alteradas as listas de compostos de ferro. Agora são permitidos apenas o sulfato ferroso e fumarato ferroso e de suas formas encapsuladas. E as farinhas de trigo e de milho enriquecidas devem conter, até o vencimento do prazo de validade, teor igual ou superior a 4 (quatro) miligramas de ferro por 100 (cem) gramas de farinha observado o limite máximo de 9 (nove) miligramas.
Ou seja, o país passou a ter controle mais rigoroso sobre a qualidade do material fortificado, contribuindo assim para maior sucesso do programa, diminuindo inclusive os erros causados pela baixa biodisponibilidade de ferro no produto.

Conclusão

Ao estudar as taxas de anemia do país é possível concluir que trata-se de uma técnica extremamente necessária, pois consegue atingir grandes e distintas camadas da sociedade com um baixo custo, e resposta a curto prazo se for feita de maneira correta. Sendo uma importante medida de saúde pública principalmente em população vulnerável. Entretanto, é necessário buscar sempre por um método no qual o micronutriente utilizado deve possuir boa absorção, características que não mudem a cor e o sabor do alimento fortificado, sendo de fácil acesso, pertencendo à alimentação habitual da população alvo e de boa aceitação.

Sendo de extrema necessidade diminuir os riscos através de planejamento pois a Anvisa deve delinear muito bem os valores de fortificação, de forma a equilibrar entre público que consome muita farinha de trigo e os que comem muito pouco. A fim de alcançar o objetivo principal e evitar superexposição. Esta é uma das grandes dificuldades da nutrição universal, alcançar valores que atendam à população carente, sem prejudicar a saúde de quem tem um acesso mais fácil aos alimentos de interesse.
Conjuntamente, se faz necessária a criação de sistemas de monitoramento e fiscalização dos produtos fortificados, além do incentivo às pesquisas de avaliação de efetividade da ação e principalmente, garantir acesso à alimentação as camadas com menor poder econômico.

Referências bibliográficas
- ANVISA. Resolução RDC n.º 344, de 13 de dezembro de 2002.
- ANVISA. Resolução RDC n.º 150, de 13 de abril de 2017. 
- ANVISA. Informe Técnico n.º 70, de 19 de janeiro de 2016.
- ANVISA. Resolução RDC n. º 39 – de 21 de março de 2001.
- ANVISA. Resolução RDC n.º 40 – de 21 de março de 2001.
LATORRE, W. C. et al. A visão da indústria brasileira moageira do trigo sobre a legislação que obriga a fortificação das farinhas com ferro. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr. = J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 33, n. 3, p. 1-15, dez. 2008.
- Assunção, M.C.F. et al. Efeito da fortificação de farinhas com ferro sobre anemia em pré-escolares. Rev Saúde Pública 2007;41(4):539-48. Rio Grande do Sul, Brasil.
- MARQUES, M. F. et al. Fortificação de alimentos: uma alternativa para suprir as necessidades de micronutrientes no mundo contemporâneo. HU revista, v.38, n.1, 2012.
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- KIRA, C. S. et. al. Avaliação dos teores de ferro em farinhas de trigo fortificadas. Rev. Inst. Adolfo Lutz. 2006, vol.65, n.3, pp. 181-185. São Paulo, Brasil.
- LEAL, L. P. Tendência temporal e fatores determinantes da anemia em crianças menores de cinco anos no estado de Pernambuco. 2010. Pernambuco, Brasil.
- Brasil. Ministério da Saúde. Unicef. Cadernos de atenção básica: carências de micronutrientes.Brasília: Ministério da Saúde, 2007.
- http://lacc3brazil.com/home/ (Acesso em 20 de maio de 2017).
- http://www.trigoesaude.com.br/curiosidades (Acesso em 05 de junho de 2017).
- https://ndb.nal.usda.gov/ndb/ (Acesso em 05 de junho de 2017).


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