Tema : Uso seguro de cápsulas de ômega 3 (Óleo de peixe).
Descrição do produto:
As cápsulas de óleo de peixe, compreendem em isolados de ácidos graxos ômega 3 (recebem essa nomenclatura de acordo com as regras da IUPAC referentes às suas insaturações) que são uma classe essencial de ácidos graxos poliinsaturados (AGPIs). Os ácidos graxos ômega 3 clinicamente importantes incluem: ácido (α) linolênico (LNA), ácido eicosapentanoico (EPA) e ácido docosahexaenoico (DHA). Esses ácidos graxos são tidos como essenciais, isso é, nosso organismo não o produz, sendo necessária a ingesta desses na alimentação.
As perguntas que ficam a rodear o tema são : Seria seguro o uso indiscriminado de ômega 3 por idosos? Populações que não consomem alimentos de origem animal poderiam substituir o consumo dos mesmos (ex.: frutos do mar) por essas cápsulas? Até onde pode ser prejudicial ao paciente o livre acesso ao produto?
Fundamentos Bromatológicos:
O FDA estabeleceu que o consumo diário de EPA e DHA não deveria exceder 3 g/dia devido a possíveis efeitos adversos sobre o tempo de sangramento, controle glicêmico e níveis de colesterol de baixa densidade (LDL). Em função das estimativas de ingestão de EPA e DHA a partir de alimentos, foi estabelecido que os suplementos não poderiam ser comercializados com uma recomendação de consumo diário superior a 2 g/dia.2
O NHMRC (National Health and Medicine Research Councill) estabeleceu um limite máximo diário de 3 g/dia para EPA, DHA e DPA a partir de evidências que sugerem que quantidades mais elevadas podem impactar negativamente na resposta imune.1
Um estudo recente de Brasky e Colaboradores (2013), publicado no Journal of the National Cancer, relaciona quantidades muito altas de ômega 3 no organismo com a maior incidência de câncer de próstata, sendo esta relação ainda não muito bem esclarecida, devendo ser melhor investigada em outros estudos.3
O rótulo da embalagem (MAXINUTRI® com 120 cápsulas) de ômega 3, especifica que 1 cápsula contém 1000 mg de ômega 3, correspondendo à administração de 2 cápsulas/dia. Entretanto não é veiculada qualquer informação a respeito dos riscos do exagero ao tomar tais cápsulas. Afinal, uma embalagem com tantas amostras, passam a falsa impressão de que quanto mais se ingere ômega 3, melhor.
Legislação:
A RDC 54/2012 define como INC (Informação Nutricional Complementar), qualquer representação que afirme, sugira ou implique que um alimento possui propriedades nutricionais particulares, especialmente, mas não somente, em relação ao seu valor energético e/ou ao seu conteúdo de proteínas, gorduras, carboidratos e fibra alimentar, assim como ao seu conteúdo de vitaminas e minerais. Também leva-se e consideração as exigências de comprovação de eficácia e segurança de uso, dispostas na RDC 18/99.
Com base nisso, o rótulo apresenta valores dentro dos preconizados pelas unidades competentes como porções diárias (3 cápsulas = 540mg de EPA por exemplo), entretanto não há qualquer informação referente aos riscos do uso exacerbado do produto. De acordo com a legislação, apenas a RDC 54/2012 está sendo respeitada.
Discussão e Conclusão
Muito se discute ultimamente a respeito de uma alimentação saudável e envelhecer com saúde. Tópicos clichês (porém não tão equivocados) veiculados pelas mídias frequentemente vem a tona como foco de importância, como por exemplo : “Combate aos radicais livres” ou “melhorar colesterol”. É verdade que esses tópicos sejam relevantes no quesito envelhecer bem, porém a população acaba por confundir o uso das cápsulas de ômega 3. Muitas das vezes o indivíduo acredita estar fazendo uso de um medicamento (que sanaria por completo seus problemas) e não vê essas cápsulas como mero auxílio nutricional. Dessa forma, cria-se a ilusão de que tomar ômega 3 em algum período do dia, livra a pessoa de outras práticas, como regrar uma dieta ou praticar exercícios físicos e assim, pode ser que o uso de ômega 3 isolado, torne-se um inimigo ao invés de um aliado quando se trata de envelhecer com qualidade.
Porém, popularmente não se conhecem muitas outras fontes do ômega 3 se não peixes e algas. Pessoas que não tem o hábito de comer frutos do mar (por qualquer razão, seja por não gostar ou quiçá morar longe do litoral) tem as funções fisiológicas dependentes desse ácido graxo comprometidas e quando se trata de envelhecer com saúde pior é o quadro, uma vez que esse óleo tem função primordial no combate aos radicais livres, fator crítico no envelhecimento.
Ainda em tempo, ressalta-se também o metabolismo de lipídeos, que já na meia idade começa a se tornar deficitário. Essa discussão quase que convence que é extremamente seguro tomar indiscriminadamente cápsulas de óleo de peixe, pois “veja bem! Um produto ‘natural’ que atende às carências nutricionais e energéticas! Como isso pode me fazer mal?”. O mal está justamente no uso solo do produto. Aprendemos durante nossa graduação em qualquer área de saúde, que nunca uma intervenção farmacoterapêutica é o suficiente, sempre é necessário o que chamamos de PIC (Práticas Integrativas Complementares), que consistem em atividades físicas por exemplo.
Não estamos falando de um produto seguro como algumas plantas medicinais de baixo índice terapêutico. Estamos falando de um produto industrializado referente a um dos macronutrientes mais debatidos na saúde idosa : as gorduras.
De nada adianta a administração de cápsulas de ômega 3, se em paralelo não é feito um exercício físico ou se mantém uma dieta balanceada. De nada adianta a administração de ácidos graxos que colaboram para a elevação de HDL, se os hábitos sociais/alimentares convergem para a elevação de LDL. Em suma, de nada adianta a suplementação sem informação. Vejamos que até agora, no presente trabalho, não foi citada uma consulta com um médico/farmacêutico/nutricionista, pois esses produtos são vendidos livremente em farmácias (e claro, por um valor elevado, pois o público alvo são em maior parte idosos de classes econômicas mais altas, que não tem mais muito com o que se preocupar se não a saúde).
Isso é tão verdade, que não é raro um paciente usuário de estatinas (anti-dislipidêmicos) omitir do seu médico que faz uso de óleo de peixe e afins. Não que haja qualquer interferência na terapêutica, mas é uma informação importante uma vez que o campo de atuação dos dois produtos é o mesmo.
A eficácia e segurança do uso do óleo de peixe depende diretamente de outras praticas cotidianas e essa informação tão importante, não consta no rótulo do produto de forma clara (quando consta).
Comumente, médicos também desinformados a respeito dos riscos do uso exacerbado de ômega 3, receitam o uso de duas cápsulas em cada refeição (totalizando 4 cápsulas por dia, o dobro do limite máximo diário preconizado na literatura). Ironicamente, uma pessoa leiga, sem prescrição provavelmente não tomaria 4 cápsulas ao dia até mesmo pelo tamanho das mesmas, sendo nesse caso então um erro também profissional, motivado pela falta de informação científica no meio.
É fato que uma alimentação balanceada sempre será a melhor escolha, tanto economicamente quanto clinicamente. Se chegar ao ponto da necessidade da suplementação, há algo errado ou com a fisiologia ou com a alimentação do paciente. De qualquer forma, sempre é necessário procurar um profissional competente para sanar qualquer dúvida e orientar corretamente o indivíduo. Também é de responsabilidade do profissional, procurar se informar a respeito de qualquer informação relacionada ao uso de qualquer produto. Não significa que o consumo de ômega 3 tenha a necessidade de prescrição, porém quando a propaganda desses produtos (que seja na embalagem) for veiculada, deve ser evidenciado a necessidade de se consultar com um profissional ou explicitar os riscos de se ultrapassar os limites máximos diários. Dessa forma, a eficácia e segurança do uso desse produto estarão garantidas, bem como a saúde do paciente.
Referências:
1. National Health and Medical Research Council. Nutrient Reference Values for Australia and New Zealand Including Recommended dietary intakes. 2006, 332p.
2. Food and Drug Administration. Letter Regarding Dietary Supplement Health Claim for Omega-3 Fatty Acids and Coronary Heart Disease. 2000, 34p.
3. Brasky T. M., et al. Plasma Phospholipid Fatty Acids and Prostate Cancer Risk in the SELECT Trial. Journal of the National Cancer Institute. 2013; 105 (15): 1132-1141.
4. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Gerência Geral de Alimentos. Guia para Comprovação da Segurança de Alimentos e Ingredientes. 2013. Disponível em: http://s.anvisa.gov.br/wps/s/r/ev
5. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC n. 54, de 12 de novembro de 2012. Dispõe sobre o Regulamento Técnico sobre Informação Nutricional Complementar. Diário Oficial da União, Poder Executivo, de 13 de novembro de 2012.
6. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução n. 16, de 30 de abril de 1999. Aprova o Regulamento Técnico de Procedimentos para Registro de Alimentos e ou Novos Ingredientes, constante do anexo desta Portaria. Diário Oficial da União, Poder Executivo, de 3 de dezembro, de 1999.
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