Um cidadão que consumiu carne regularmente por anos está mais suscetível a desenvolver câncer do que alguém cujo consumo se deu de forma mais restrita?

Muito se fala sobre a relação entre o consumo de carne
e o desenvolvimento de câncer, especialmente a carne vermelha. O ser humano,
como animal onívoro, consome alimentos de diversas origens, inclusive a animal.
No Brasil, país onde a agropecuária possui força considerável, a carne faz
parte dos hábitos alimentares, sendo consumida quase que diariamente e estando
disposta em diversas receitas dentro da culinária popular.
O alimento é
derivado principalmente dos músculos dos animais, que, após processos
bioquímicos pós-abate, dá origem à carne que conhecemos e consumimos. Diante disso, é válido o questionamento sobre a relação deste consumo com o
aparecimento de doenças crônicas, como o câncer.
Fundamentos bromatológicos
De acordo com o INCA, o consumo de carne vermelha em
grandes quantidades pode aumentar a chance do desenvolvimento de câncer, sendo
caracterizado assim como um fator de risco¹. O consumo de carne vermelha e de
carne processada são relacionados principalmente ao desenvolvimento de câncer
colorretal, não tendo sido encontrado na literatura a mesma relação com o
consumo de carne de aves e peixes².
A carne vermelha é rica em ferro heme. Nesta forma, o ferro se encontra muito
mais disponível para absorção do que em sua forma inorgânica encontrada nos
vegetais. O ferro é essencial ao funcionamento do corpo humano, principalmente
no processo de formação da hemoglobina, atuando no transporte de de O² e CO²
pelo corpo, processo essencial à vida humana. O problema se dá no consumo em
grande escala deste nutriente, que, em excesso, agride as células intestinais e
esse dano recorrente pode levar ao surgimento de mutações e consequentemente,
neoplasias estando associado a um aumento de risco de 28 a 35%¹,².
O consumo de carne processada também está relacionado ao aumento do risco da
incidência de câncer colorretal em 20%
a 49%². Isso se dá
principalmente por conta dos “aditivos” adicionados durante o processamento,
como o excesso de sal, os nitritos e nitratos (adicionados normalmente por
conta de seu poder conservante e também pela capacidade de realçar a cor destes
alimentos), e até mesmo as substâncias formadas no processo defumação, que além
do câncer colorretal são associadas também a câncer de estômago³.
Além disso, vale ressaltar que o processo de preparo influencia no risco
associado ao consumo. As altas temperaturas atingidas ao se fritar ou grelhar
podem levar a formação de substãncias cancerígenas que se agregam ao alimento e
são consumidas junto a ele, sendo assim, é preferível consumir alimentos a base
de carne cozidos ou assados4.
Legislação de rotulagem
As RDCs que mais se relacionam ao produto são a
RDC Nº 13, DE 02 DE JANEIRO DE 2001 e a RDC Nº 259, DE 20 DE SETEMBRO DE 20025,6.
A primeira é focada em minimizar o risco relacionado ao consumo de alimentos
cárneos, principalmente o risco microbiano associado a este consumo, fornecendo
assim ao consumidor as informações necessárias para que este faça o manuseio e
preparo correto do alimento.
Dentre as exigências estão a presença de frases informativas que denotem o
risco associado ao consumo cru destes alimentos (“-Consuma somente após cozido,
frito ou assado completamente.”, ressaltas da necessidade de conservação
correta (congelamento, manter sobre refrigeração, o descongelamento adequado
etc). A RDC também reafirma a responsabilidade das empresas produtoras sobre a
segurança e qualidade do alimento durante toda a cadeia produtiva e também a
necessidade de esclarecer e informar ao consumidor dos possíveis riscos
associados ao consumo.
A Segunda RDC é mais abrangente, abordando alimentos embalados no geral. Nela
encontram-se definidos o conceito de rotulagem, embalagem, consumidor,
ingredientes etc.
Nesta RDC é definido que os rótulos não podem de forma alguma confundir o
consumidor, desviar o foco do que de fato se trata o produto, enganar o
consumidor de alguma forma, insinuar ou afirmar que o produto possua
propriedades as quais ele não possui de
maneira comprovada e “aconselhe seu consumo como estimulante, para melhorar a
saúde, para prevenir doenças ou com ação curativa”. As instruções de rotulagem
devem estar na língua do país de destino e, caso não estejam, uma etiqueta com
a língua utilizada por aquele lugar deverá ser colada com as informações
devidamente traduzidas.
O Rótulo de alimentos embalados deve conter obrigatoriamente as seguintes
informações:
”Denominação de venda do alimento; Lista de ingredientes; Conteúdos líquidos;
Identificação da origem; Nome ou razão social e endereço do importador, no caso
de alimentos importados; Identificação do lote Prazo de validade; Instruções
sobre o preparo e uso do alimento, quando necessário.
Discussão
A relação entre carne e câncer é muito
situacional e acaba levando a mais perguntas que conclusões. Enquanto algumas
relações encontram-se bem estabelecidas até o momento (a relação entre o
consumo excessivo de ferro-heme -nutriente em que a carne vermelha é rica- e o
desenvolvimento de câncer colorretal; o consumo excessivo de produtos
processados devido a adição de substãncias carcinogênicas) outras permanecem
ainda sem muito esclarecimento, como é o
caso da relação entre a carne e processos inflamatórios.
Além disso, outras relações não são focadas na carne em si, mas na maneira como
esta é preparada, o que pode levar a formação de compostos não naturais ao
alimento, e estes compostos sim possuírem relação com o aumento da incidência
de neoplasias.
Tudo isso ainda é influenciado pelo organismo do consumidor, suas tendências
genéticas, a extensão e forma que se dará este consumo, tornando assim, muito
difícil afirmar algo com propriedade.
Conclusão
A Resposta para a indagação feita anteriormente então seria “depende”, pois
existem variáveis relacionadas ao consumo de carne em si: como ele se dá, a
quantidade consumida (o aconselhado é um máximo de 500 g de carne vermelha por
semana¹), o tipo de carne consumida, o fato de o alimento ser ultraprocessado
ou não e até mesmo a forma que o alimento é preparado.
Fontes
1Carnes vermelhas. Disponível em: https://www.inca.gov.br/alimentacao/carnes-vermelhas
2 ZANDONAI, Alexandra Paola; SONOBE, Helena Megumi; SAWADA, Namie Okino.
Os fatores de riscos alimentares para câncer colorretal relacionado ao consumo
de carnes. Rev. esc. enferm. USP, São
Paulo , v. 46, n. 1, p. 234-239, Feb.
2012 . disponivel em
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0080-62342012000100031&lng=en&nrm=iso
3 Carnes processadas. Disponível em https://www.inca.gov.br/alimentacao/carnes-processadas
4 Modo de preparo da carne. Disponível em: https://www.inca.gov.br/alimentacao/modo-de-preparo-da-carne
5RDC Nº 13, DE 02 DE JANEIRO DE 2001, disponível em http://portal.anvisa.gov.br/documents/10181/2718376/RDC_13_2001_COMP.pdf/667b8eff-373d-4361-a718-bad03e0a9b2a
6RDC Nº 259, DE 20 DE SETEMBRO DE 2002, disponível em:
http://portal.anvisa.gov.br/documents/10181/2718376/%281%29RDC_259_2002_COMP.pdf/556a749c-50ea-45e1-9416-eff2676c4b22
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ResponderExcluirConteúdo atual e interessante, uma ótima adição a essa discussão é a correção da seguinte afirmativa “ainda não está elucidado como a carne vermelha está relacionada a processos inflamatórios”, pois atualmente já existem diversos estudos que atrelam esse processo inflamatório a uma glicana chamada de ácido n-glicolilneurimínico (Neu5Gc), presente na carne vermelha. Esta glicana é vista como uma substância estranha ao organismo (não produzimos) e desta forma desencadeia o processo inflamatório. Este fato também explica o porque das carnes de aves e peixes não desencadearem processos inflamatórios, pois não possuem esta glicana.
ResponderExcluirFontes:
https://www.pnas.org/content/112/2/542?utm_content=bufferb1c33&utm_medium=social&utm_source=twitter.com&utm_campaign=buffer
https://academic.oup.com/gbe/article/10/1/207/4676057
https://www.bbc.com/portuguese/ciencia/story/2003/09/printable/030930_vermelharg
Aluno: Gabriel Werneck Miglionico
116015543
Excelente trabalho. Vemos que, além de ser um problema para o planeta, visto que para manter e aumentar os níveis de produção de carne são consumidos recursos em volumes exorbitantes, esta indústria também causa impacto direto à saúde dos próprios consumidores.
ResponderExcluirOs índices apresentados já demonstram um problema de saúde pública, portanto, este tipo de estudo é necessário para que busquemos alternativas saudáveis e sustentáveis para os desafios relacionados à alimentação que viveremos amanhã. Parabéns pelo trabalho.